Seria de esperar que se escrevesse ortótica, porque, em Portugal, o segundo elemento constituinte deste composto terá a grafia ótica, perdendo o p mudo, conforme a Base IV, I, alínea c) :
c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção;[...]1
Nesta conformidade, e visto que o p de óptica não tem correspondido à pronúncia de nenhuma consoante, os vocabulários ortográficos portugueses — Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Porto Editora, e Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), do ILTEC — registam ótica, e não óptica, como forma a adoptar em Portugal.2
Com ortóptica, no entanto, os vocabulários ortográficos portugueses não aplicam o mesmo critério, porque a forma consignada quer no VOP do ILTEC quer no VOLP da Porto Editora é ortóptica, e não ortótica, sem que se anote o motivo de tal opção. É plausível que a conservação do p nesta forma se prenda com o intuito de evitar a homonímia que passa a existir entre o segundo elemento, óptica/ótica, «parte da física que trata da luz e dos fenômenos da visão», e ótica, derivado de ótico, do grego ōtikós «relativo às orelhas» (Houaiss). Seja como for, trata-se de um caso que, não se revelando compatível com o estipulado na referida alínea da Base IV, tem certamente de ser repensado ou mais claramente proposto.
Acrescente-se que o termo em questão aplica-se ao «ramo da oftalmologia que se ocupa da avaliação, medida dos desvios oculares e reeducação dos olhos em caso de problemas da visão binocular, como estrabismo, heteroforia etc.» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2009). É formado pelo radical de origem grega orto-, «recto, justo» (cf. Celso Cunha e Lindely Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 111) e por óptica/ótica.
1 No Brasil, a forma óptica mantém-se ao lado de ótica, a avaliar pela conservação das respectivas entradas no Dicionário Houaiss, na sua edição de 2009. Contudo, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras apenas consigna a forma óptica enquanto «ciência da visão»; ótica também aí ocorre mas apenas como «ciência da audição», derivado de ótico, do grego ōtikós «relativo às orelhas» (Houaiss).
É ainda de referir que, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e no Aulete Digital, a entrada ótica remete para óptica, o que deixa supor que esta é dada como preferencial. No entanto, Maria Helena de Moura Neves, no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003), observa que «[ó]ptica e ótica são variantes de substantivo, mas a segunda (ótica) é muito mais usual (80%) [...]». A respeito de óptico e ótico, variantes do adjectivo referente a visão, a mesma autora afirma que «[...] óptico é mais usual (60%), especialmente em obras científicas [...]». As percentagens apresentadas por Moura Neves são relativas a observações «[...] num corpus de oitenta milhões de ocorrência do português escrito contemporâneo do Brasil [...]» (op.cit. 13).
2 O VOP apresenta a forma óptica como variante brasileira.