Há vários argumentos em que nos podemos basear para comprovar que a proposta da consulente está correcta – a de que o que é o primeiro exemplo de vocábulo que se refere a um termo anterior na frase «O que torna as pessoas sociáveis é a sua incapacidade de suportar e, nela, a si mesmas».
À primeira vista parece-nos evidente que a melhor prova, de que o que é o primeiro vocábulo dessa frase que se refere a um termo anterior, reside na sua própria classificação morfológica – a de PRONOME RELATIVO – associada ao facto de esse pronome estar precedido de um só vocábulo, o ANTECEDENTE – o –, a palavra a que se refere que, por sua vez, também é um PRONOME, mas DEMONSTRATIVO. Sendo o que a segunda palavra da frase e, simultaneamente, um pronome relativo, parece óbvia a conclusão de que se está a referir à palavra anterior, que é, obviamente, a primeira palavra do texto.
Mas, para além deste argumento, existem outros igualmente relevantes, que constituem prova de que esse pronome relativo que é, de facto, o primeiro vocábulo dessa frase que se refere a outro termo anterior, prova essa que reside em duas particularidades: uma, que se baseia na especificidade da própria palavra a que refere – o o – que, como PRONOME DEMONSTRATIVO SUBSTANTIVO (com o significado de «aquilo»), se emprega «quando vem determinado por uma oração» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 340), oração essa que é iniciada pelo relativo que; a segunda fundamenta-se nas características de tal oração, que, por ser «introduzida por um PRONOME RELATIVO […] e exercer a função de ADJUNTO ADNOMINAL de […] um pronome antecedente» (idem, p. 598), é classificada como ORAÇÃO SUBORDINADA ADJE(C)TIVA.
Aliás, o pronome demonstrativo o que inicia a frase, como pronome substantivo que é, e simbolizando «aquilo», é determinado precisamente pela oração subordinada adjectiva que é introduzida pelo PRONOME RELATIVO que.
Assim, o o que inicia a frase é o ANTECEDENTE do PRONOME RELATIVO que e, naturalmente, da ORAÇÃO SUBORDINADA ADJECTIVA por ele introduzida que, por sua vez, depende do seu antecedente. Logo, um não tem sentido sem o outro, necessitando quer o pronome demonstrativo o, quer a oração introduzida pelo pronome relativo que da presença do outro para se completar.