Relativamente à utilização das formas lo e la do pronome oblíquo objecto directo, Celso Cunha e Lindley Cintra são peremptórios, quando nos advertem, dizendo que «Se a forma verbal terminar em -r, -s ou -z, suprimem-se estas consoantes, e o pronome assume as modalidades lo, la, los, las» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 280).
De facto, há algumas formas que se tornam ambíguas e que parecem "dissonânticas", mas esta última realidade deve-se, sobretudo, ao facto de nós não as usarmos com frequência, talvez porque tenhamos consciência de que cada vez há menos pessoas a utilizar (sobretudo a nível da oralidade) as formas correctas da língua. E, apesar de conhecermos as normas, a realidade é que todos tememos cair no ridículo e, por isso, evitamos usar as estruturas consideradas como mais complexas.
Em relação à ambiguidade, ela surge constantemente num enorme número de situações. Não saber distinguir, numa determinada situação, a diferença entre «qui-lo» (forma verbal conjugada pronominalmente) e «quilo» (substantivo/nome), também se torna num caso estranho. E é revelador de falta de domínio da língua portuguesa (do português europeu, está claro, uma vez que a norma do português do Brasil prevê outras formas para o uso dos pronomes pessoais). Reparemos em outras situações que permitem a ambiguidade: «sê-lo» e «selo», «fi-la» e «fila»...
Para que não tenha dúvidas, basta remetermos para a origem dessas formas: «As formas antigas do pronome oblíquo objecto directo eram lo(s) e la(s), provenientes do demonstrativo latino ille, illa, illud (= aquele, aquela, aquilo). Pospostas as formas verbais terminadas em -r, -s ou -z, o seu l- inicial assimilou aquelas consoantes, que depois desapareceram:
fazer-lo > fazel-lo > fazê-lo
fazes-lo > fazel-lo > faze-lo
fiz-lo > fil-lo > fi-lo» (idem).
Penso que não se pode falar de «conjugação defectiva». Não estará a confundir com a particularidade dos verbos defectivos pelo facto de estes poderem ser «usados apenas em alguns tempos, modos ou pessoas» (idem, p. 442)? Mas não se trata de um caso de conjugação, mas de classificação de um verbo, quanto à flexão. Assim como há verbos regulares – que «se flexionam de acordo com o paradigma, modelo que representa o tipo comum da conjugação» (idem, p. 384) –, irregulares – que «se afastam do paradigma da sua conjugação» (idem) –, abundantes – que «possuem duas formas – de particípio (regular e irregular) – ou mais equivalentes» (idem, 441) –, unipessoais – que, porque «indicam vozes de animais, como ganir, ladrar, zurrar, […] normalmente só se empregam na 3.ª pessoa do singular ou do plural» (idem, p. 443) –, impessoais – os que «exprimem fenómenos da natureza, como “chover, trovejar, ventar”, só aparecem na 3.ª pessoa do singular» (idem), os verbos defectivos distinguem-se por serem «aqueles que não têm certas formas, como “abolir, falir”» (idem, p. 384).
Compreende-se a associação dos casos apresentados pelo consulente à questão de defectividade, porque têm em comum o facto de o desuso dessas formais verbais se dever à sua «pronúncia desagradável ou por se prestarem a confusão com uma outra forma» (idem, p. 443), gerando ambiguidades devido, geralmente, à homofonia.