Obrigada, antes de mais, prezado consulente, pela síntese apresentada, que fundamenta — e clarifica! — muito bem a sua dúvida.
Pudera eu, de igual modo, fundamentar as propostas que avanço...
Ocorre-me, antes de mais, dizer que, nestas coisas da rotulagem dos fenómenos linguísticos aparece, muitas vezes, um gato escondido com o rabo de fora… E a sua pergunta ilustra, afinal, uma das situações em que tal acontece.
Consultando algumas gramáticas, pouco mais encontrei do que mais do mesmo, ou seja, mais definições em tudo idênticas às que o consulente apresenta. Ana Maria Brito, na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, Lisboa, Editorial Caminho, 5.a ed. revista e aumentada, 2003, diz que, na formação do superlativo absoluto analítico:
«Igualmente podem usar-se expressões nominais quantificadoras:
(65) a) Uma rapariga um pouco triste.
b) Um livro um bocado maçador.
c) O tio estava meio zangado.
d) Um tipo nada simpático (nada indica a ausência da qualidade expressa pelo adjectivo)», p. 388/389.
Ora, se no exemplo b) podemos considerar a existência de um sentido de superioridade, equivalendo «um bocado maçador» a «muito maçador», nos restantes casos não creio que exista tal superioridade, chegando-se mesmo, em d), a uma situação em que, como a autora refere, a qualidade designada pelo adjectivo é inexistente. Porém a autora não propõe uma classificação diferente para estes casos, incluindo-os no grau superlativo absoluto analítico.
Procede da mesma forma, ainda que para o grau do advérbio, Dílson Catarino, na sua gramática on-line, quando diz: «O advérbio flexiona-se no grau superlativo absoluto analítico por meio de um advérbio de intensidade como muito, pouco, demais assaz tão, tanto…»
Parece que a atitude que, aqui e ali, vem sendo tomada é a de manter a classificação já conhecida e isolar, explicando separadamente, casos periféricos que podem ser utilizados na construção do superlativo. Uma outra solução seria assumir que, tal como acontece no comparativo e no superlativo relativo, também no superlativo absoluto há indicadores de superioridade e de inferioridade. No entanto, ao considerar-se esta solução haveria igualmente que ter em conta que, no caso do superlativo absoluto analítico, o que está em causa não é a qualidade de entidades que são comparadas (o superlativo relativo também pressupõe a existência de mais de uma entidade), mas, sim, a própria qualidade, se tal se pode dizer, do adje{#c|}tivo em si mesmo. Será por essa razão que esta solução não é apadrinhada por nenhum estudioso consultado?
Até que apareçam estudos a esclarecer este caso, consideremos que o adjectivo inteligente na expressão «pouco inteligente» está no grau superlativo absoluto de superioridade, fazendo o mesmo para outras situações como, por exemplo, para o adjectivo morto em «Chegou meio morto de cansaço»…