DÚVIDAS

Os conceitos de morfema e morfe

Sou um espanhol estudante de gramática portuguesa. Morfe e morfema são a mesma coisa? Qual é a diferença?
Por outro lado tenho uma classificação de tipos de morfes: 1. Alomorfe, 2. Morfe “portmanteau” (?) 3. Vazio, 4. Zero. Pode ser esta classificação válida?

Parabéns pelo site.

Resposta

Os termos que refere são válidos, pelo menos, no modelo estruturalista americano surgido nos anos 40 e 50 do século passado (linguística pós-bloomfieldiana). No entanto, verifica-se que em obras mais recentes (por exemplo, Maria Helena Mira Mateus et alii, 2003, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, págs. 919-938) a terminologia é um pouco diferente. Mesmo assim, passarei a definir os termos pedidos pelo consulente, com base em David Crystal, 1997 (Dictionary of Linguistics and Phonetics, Oxford, Blackwell) e no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – DLPC, da Academia das Ciências de Lisboa.

– Um morfema é uma «unidade mínima de significação, de natureza gramatical ou lexical» (DLPC); é de natureza abstracta e tem valor gramatical distintivo.
– Um morfe constitui a realização do morfema. Muitos morfemas são realizados por um único morfe; por exemplo, na palavra cantar, temos o morfe {cant-} (representado com chavetas), que se mantém ao longo da conjugação: canto, cantei, cantava
– Fala-se em alomorfe, quando um morfema é realizado por dois mais ou mais morfes diferentes; p. ex., em Portugal, o morfema nov- que ocorre em novo tem dois alomorfes (de novo representados com chavetas): {nôv-} em novo e {nóv-} (com [ó] aberto) em nova.
– Os problemas na descrição dos morfes conduziram mais tarde à criação de mais termos. Um morfe “portmanteau” é um traço formal que pode ser atribuído a mais do que um morfema; por ex., em fiz (1.ª pessoa do pretérito perfeito do verbo fazer) temos como que uma amálgama de três morfemas diferentes, um que é relativo à 1.ª pessoa do singular (eu); outro, pertencente ao pretérito perfeito; e finalmente um terceiro, que indica o modo indicativo.

O morfe vazio consiste na ocorrência de um traço formal que não corresponde a nenhum morfema; p. ex., em cafeteira surge um {t} que não se pode associar a nenhum morfema.

Um morfe zero corresponde à inexistência de traços formais que marquem um dado morfema. Por exemplo, na palavra mar pode-se deduzir um morfema zero a partir da forma do plural mares. Com efeito, o plural (correspondente ao acrescentamento de um s) permitiria supor que o singular fosse mare, em que {-e} poderia ser interpretado como estando a representar um morfema do singular. Contudo, o que existe é mar, sem -e final, pelo que, em termos teóricos, se assume que há um morfema que não tem materialidade fonética – em suma, estamos perante um morfe zero.

Em português este fenómeno não é frequente, mas em inglês justifica-se o morfe zero em excepções à regra de formação do plural; assim, a forma “sheep”, que é invariável, tem um morfe zero como marca do plural, dado que a forma “sheeps” não é aceitável.
Espero ter podido ajudá-lo. E obrigado pelos parabéns.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa