O termo vocábulo mórfico (ou vocábulo significativo) foi – ou ainda é – usado na linguística brasileira. O notável linguista J. Mattoso Câmara Jr. definia-o assim [Princípios de Linguística Geral, Rio de Janeiro, Padrão – Livraria Editora, 1989, pág. 96; nesta citação e nas seguintes, as maiúsculas pequenas e o itálico do original foram substituídos, respectivamente, por maiúsculas e caracteres a negro]:
«O vocábulo mórfico é uma realidade lingüística inegável, mas se decompõe em unidades menores, que são as FORMAS MÍNIMAS ou MORFEMAS, lato sensu, e estão para ele como na fonação a sílaba está para o vocábulo fonético (...)
Mais adiante, Mattoso Câmara Jr. explica:
«As formas mínimas podem ser – LIVRES (vocábulos), DEPENDENTES (clíticos ou partículas), PRESAS (partes de vocábulo). A sua depreensão constitui a ANÀLISE MÓRFICA, cuja técnica, para cada língua, é delicada e complexa.»
Saber se, em português, as partículas enclíticas e proclíticas – as quais correspondem aos clíticos, de uma maneira geral, ou mais simplesmente aos pronomes pessoais complemento (me, te, o, lhe, etc.) – são vocábulos mórficos exige o reconhecimento da diferença entre vocábulo mórfico e vocábulo fonético. Este corresponde ao «[…] vocábulo, encarado meramente do ponto de vista da fonação, ou seja […], é esse corpo sensorial, e nada mais» (idem, pág. 85).
O que comprova que os clíticos são vocábulos mórficos é a sua significação própria, apesar de, numa frase, não terem acento próprio e estarem sujeitos ao da forma verbal a que se associam. Na frase «tu viste-o», o pronome o tem uma significação própria, que pode ser recuperada pelo contexto anterior, por exemplo, quando se diz «O João escondeu-se, mas tu viste-o»; no entanto, do ponto de vista do som e da acentuação, a forma pronominal o subordina-se à forma verbal viste, pronunciando-se as duas como uma única expressão, em que primeira sílaba é tónica: [víxtju] ([x] corresponde à fricativa palatal surda que começa a palavra chá; e [j], à semivogal da última sílaba de horário).
Em suma, na perspectiva de Mattoso Câmara Jr., os clíticos são, de facto, vocábulos mórficos, mas que têm um comportamento fónico particular: «É ainda a falta de coincidência entre o vocábulo fonético e o significativo que levou a gramática grega ao conceito de CLÍTICOS, isto é – vocábulos significativos que na enunciação lingüística são sistematicamente integrados num vocábulo fonético maior e subordinados ao acento que dá a este individualidade fonética» (idem, pág. 86).
Sobre este assunto, aconselho a leitura do artigo em linha de Leda Bisol “Mattoso Câmara Jr. e a palavra prosódica”.