Do ponto de vista normativo, a sequência «...que se julga estarem...» é melhor que «...que se julgam estar...». No entanto, a segunda não me parece agramatical, pelo menos, em português europeu.
Assim, em «... lendas ou crenças que se julga estarem na origem de uma dada expressão.», mostra-se que a forma «estarem» (do verbo estar) concorda com o pronome relativo que, cujo antecedente é o grupo nominal «factos, situações, lendas ou crenças». Mas a análise da função sintáctica deste relativo é complexa, porque terá de dar conta da aparente sobreposição de duas estruturas sintácticas:
a) o pronome que introduz a oração subordinada relativa «que se julga» e seria, em princípio, complemento directo de «se julga» (expressão constituída por um se impessoal, parafraseável por «alguém», e uma forma do verbo julgar);
b) mas é também o sujeito da oração «estarem na origem de uma dada expressão», a qual é complemento/objecto directo de «se julga» – é, portanto, uma oração subordinada completiva de infinitivo (também chamada não finita).
Não é que na sequência «...que se julga estarem...» o verbo julgar seleccione dois complementos directos ao mesmo tempo («que» e «estarem...»). O que se passa é que há verbos cujas completivas (de infinitivo ou introduzidas por que) permitem que um dos seus constituintes assuma a forma de pronome relativo e se desloque à esquerda para introduzir uma oração relativa. Isto torna-se mais evidente com orações completivas finitas (isto é, com o verbo num tempo finito):
(1) Este é o homem que julgo que está condenado.
(2) Este é o homem que julgo estar condenado.
As frases (1) e (2) são equivalentes; alem disso, (2) tem uma estrutura semelhantes à da frase proposta como correcta pelo consulente. Vemos que o que relativo tem, em ambas as orações, uma função sintáctica não na oração constituída por «julgo» mas sim nas completivas (é sujeito em «que está condenado» e «estar condenado»).
O que estas frases indicam, pois, é que uma oração relativa pode ser introduzida por um elemento constituinte de uma completiva que, por sua vez, é também constituinte dessa relativa. Por outras palavras, em «... lendas ou crenças que se julga estarem na origem de uma dada expressão», o pronome relativo que introduz a oração relativa «que se julga estarem na origem de uma dada expressão» e tem também a função sintáctica de sujeito na oração («estarem na origem de uma dada expressão») que está subordinada a tal relativa.
Na outra frase, a que suscita dúvidas ao consulente, o pronome que é sujeito de «se julgam», expressão que inclui um se passivo e que é parafraseável por «que são julgados». O verbo julgar está, portanto, a concordar com que, cujo antecedente é uma expressão nominal com valor de plural.
Porque é que na completiva «estar na origem de uma dada expressão» já não é possível a concordância? A resposta poderá apoiar-se, por exemplo, no comportamento do verbo parecer. Numa frase em que parecer é o verbo da oração principal e selecciona uma oração completiva, o sujeito desta pode passar para a principal (há uma elevação do sujeito), enquanto o verbo da completiva adopta a forma de infinitivo não flexionado:
(3) Parece que as crenças estão na origem de uma dada expressão.
(4) As crenças parecem estar na origem de uma dada expressão.
Em (3), parecer é seguido de uma oração subordinada completiva com o verbo num tempo finito («estão», no presente do indicativo). Em (4), a completiva tem o verbo no infinitivo não flexionado e o sujeito deslocou-se (“elevou-se”) para a posição de sujeito da subordinante («As crenças parecem…»). Note-se que há uma construção alternativa a (4), que João A. Peres e Telmo Móia consideram «bastante marcada e talvez já pouco usual» (Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pág. 254):
(5) «As crenças parece estarem na origem de uma dada expressão.»
Em (5), «as crenças» é o sujeito topicalizado (isto é, deslocado para o início da frase) e o verbo estarconcorda com esse sujeito (ver ibidem). Aqui, pode-se estabelecer um paralelo com «que se julga estarem…».
Claro está que esta análise necessitaria ser aprofundada, porque, ao contrário do que sucede em (5), não se afigura que o pronome que esteja topicalizado nos casos em apreço. Por outro lado, parecer é um verbo de que pode ser usado com sujeito expletivo («ele parece que estão na origem…»), ao passo que julgar tem, em princípio, sujeito, mesmo que subentendido («[eu] julgo/julga-se [=alguém] que estão na origem»).
Neste contexto, considero que a frase em dúvida mostra um comportamento de julgar semelhante ao de parecer, participando de uma construção de elevação (ver Maria Helena Mira Mateus et aliae, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 634). Como em (4), pode-se interpretar o pronome que como sujeito de julgar numa construção de se passivo, o que legitima «...que se julgam estar...». Em alternativa e como em (5), o verbo da completiva concorda com um sujeito subentendido que é co-referente do pronome que e da expressão «factos, situações, lendas ou crenças»; daí a boa formação de «...que se julga estarem...».
Mesmo assim, podemos argumentar que «...que se julga estarem...» é a sequência mais correcta, porque mesmo a existir uma construção de se passivo a concordância será feita globalmente com a oração subordinada, que é interpretada como um complemento directo no singular. Esta perspectiva pode ser apoiada através do seguinte teste:
(6) «Julga-se estarem esses aspectos na origem de uma dada expressão.»
(7) «Julga-se isso.»
Vemos que, em (7), «isso» é equivalente à completiva em (6). Desta maneira, deve-se encarar a completiva como um comlemento verbal que está no singular.
Acho que as análises apresentadas são suficientes para fundamentar a gramaticalidade das duas frases, mas compreendo que a completiva de infinitivo flexionado seja mais aceitável.