DÚVIDAS

O género de ente e o hífen de bem-haja

Não consigo encontrar na bibliografia a solução para duas dúvidas que me colocaram há uns meses, pelo que necessito da vossa ajuda.

1.º — «o seu ente querido/a sua ente querida» — Do jornal local, perguntaram-me se a palavra ente admite uma ocorrência de um especificador feminino tal como a palavra presidente. Nós podemos dizer «o nosso presidente» e «a nossa presidente». Também podemos dizer «o seu ente querido»/«a sua ente querida»?

2.º — «bem-haja»/«bem haja»/«bem hajam» — Encontrei a solução para as formas relativas à estrutura adv. + verbo («bem haja» e «bem hajam»), mas continuo com dúvidas no nome/substantivo. Embora com o novo acordo ortográfico tenha de, obrigatoriamente, perder o hífen e deixe de ser uma palavra composta por justaposição, gostaria que me confirmassem, por favor, se ao tratar-se de um nome e de acordo com as regras da gramática normativa não teria de escrever-se com hífen tal como bem-aventurado.

Obrigada pela atenção.

Resposta

1. A palavra ente é do género masculino, não sendo possível empregá-la no género feminino (não se diz «a minha ente querida»), conforme se pode verificar nos seguintes dicionários e vocabulários ortográficos: Dicionário Houaiss, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras.

2. O substantivo bem-haja1 , como composto resultante da associação de forma verbal (haja) e substantivo (bem, forma homónima do advérbio bem2), apresenta um hífen que se mantém, tal como acontece com conta-gotas e guarda-chuva (cf. n.º 1 da Base XV do Acordo Ortográfico de 1990). O facto de este composto ter origem num caso de inversão de complemento («haja(m) bem > «bem haja(m)») não parece dispensá-lo do critério aplicado a conta-gotas ou guarda-chuva, que resultam de expressões onde o complemento se encontra na posição habitual, após o verbo.  Assinale-se ainda que é também com hífen que o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa regista bem-haja, depreendendo-se que é do nome que se trata, e não da fórmula de agradecimento «bem haja(m)».

1 Quando é fórmula de agradecimento, usa-se sem hífen: «Bem haja!», «Bem hajam!» (ver Textos Relacionados).

2 Também os compostos que incluem bem como advérbio não perdem o hífen, em conformidade com n.º 4 da  da Base XVI do AO: «Emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio bem, ao contrário de mal, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Eis alguns exemplos das várias situações: bem-aventurado, bem-estar, bem-humorado; mal-afortunado, mal-estar, mal-humorado; bem-criado (cf. malcriado), bem-ditoso (cf. malditoso), bem-falante (cf. malfalante), bem-mandado (cf. malmandado), bem-nascido (cf. malnascido), bem-soante (cf. malsoante), bem-visto (cf. malvisto).

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