Trata-se de um derivado do substantivo boca-livre.
Nos dicionários consultados, não há ocorrência de bocalivrista, o vocábulo que o consulente encontrou no conto de Rubem Fonseca. Em contrapartida, o Dicionário Eletrônico Houaiss regista como regionalismo brasileiro o termo coloquial boca-livre, em duas aceções: «1. Lugar onde se come e bebe de graça; 2. Lugar ou cargo onde se ganha dinheiro irregularmente.» O iDicionário Aulete confirma a primeira aceção e ,de certo modo, a segunda, embora a esta dê uma formulação que reflete uma perspetiva ligeiramente diferente: «situação da qual alguém se beneficia sem esforço ou mérito, geralmente por meios fraudulentos». Observe-se, contudo, que a aceção mais frequente da palavra é, de facto, a de «lugar onde se come e bebe de graça», como se pode apurar numa pesquisa no conjunto dos corpora da Linguateca; e o Dicionário Unesp da Língua Portuguesa (2004) apenas define a palavra como «festa ou reunião de entrada franca e onde se servem comidas e bebidas».1
Dito isto, parece então que estamos diante de um neologismo que tem por base o substantivo boca-livre. Sendo assim, o contexto onde surge bocalivrista sugere a referência a alguém que é presença assídua em certo tipo de encontros sociais.2
1 Sobre o significado de boca-livre, a consultora Ida Arnold dá o seguinte esclarecimento (comunicação pessoal): «Boca-livre é em geral uma festa, ou evento onde há comida e bebida de graça; no caso d[a] personagem [do conto "O Cobrador"], e considerando todo o parágrafo, deve referir mesmo o hábito da época, anos 70 no Rio de Janeiro, de frequentar festas e coquetéis para usufruir da comida e bebida e encontrar pessoas influentes – deslumbrado de coluna social e ambicioso. Esse hábito ajudaria a manter a posição social adquirida, entre outras coisas, por estar do lado "bom" da situação – eleitor da Arena (partido político que apoiava os militares do governo), católico, patriota, filhos estudando na PUC (universidade católica), cursilhista (encontros de jovens católicos comuns entre os anos 60 e 80) – já que, oficialmente, a igreja católica secular apoiava o governo da ditadura». A mesma consultora observa ainda sobre a palavra mordomia, que também ocorre no parágrafo do conto em causa: « "as mordomias" são benesses que podem originar-se, legalmente, em atribuições de um cargo em empresa; por exemplo, os diretores têm "mordomias" que são o que chamamos de salários indiretos, como carro, viagens etc. Mas, no caso de políticos, essas e outras "mordomias" são pagas, indevidamente, pelo erário público. [...] [E]u discordo da segunda acepção do Aulete, porque o termo boca-livre não remete a meios fraudulentos; já o termo mordomia, sim, pode ser usado para referir benefícios indevidos ou pagos com malversação de dinheiro público.»
2 A grafia bocalivrista é discutível à luz quer das regras ortográficas que, até 2009, vigoraram plenamente no Brasil, em Portugal e noutros países, quer ao abrigo do novo acordo. Com efeito, para derivados de compostos constituídos por substantivo + adjetivo ou adjetivo + nome, a prática é manter o hífen da base de derivação; p.ex., água-forte/água-fortista, livre-câmbio/livre-cambismo (Dicionário Houaiss). A grafia mais adequada será, portanto, boca-livrista.