Bárbara Nadais Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Bárbara Nadais Gama
Bárbara Nadais Gama
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Licenciada em Ensino de Português Língua Estrangeira, mestre em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira pela Universidade do Porto e doutoranda em Didática de Línguas. Foi professora de Português no curso de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosae- UNTL, no ano letivo de 2011-2012.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É sempre um prazer, para mim, solicitar sua opinião. Sendo a Rede Globo uma formadora de opinião, não considera o nome da novela Alto Astral ser grafado fora do padrão linguístico, já que após alto sempre haverá hífen, exceção única em altoplano, que aproveito para perguntar se há um porquê para altoplano não ter hífen?

Agradeço a atenção.

Resposta:

Com o novo acordo ortográfico, mantém-se a grafia da palavra alto-astral, que significa «acontecimento ou ocasião benfazeja (supostamente por influência positiva astral); sucesso». O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, regista o termo com hífen, à semelhança de outras palavras começadas por alto: alto-comando; alto-comissário; alto-falante (existe a variante altifalante mais usada em Portugal, segundo o Dicionário Houaiss).

Observe-se que a palavra altoplano, sinónimo de planalto, também é registada com hífen no Dicionário Eletrônico Houaiss, no verbete correspondente ao elemento de composição alto- (sublinhado meu):

«antepositivo, do lat. altus, a, um, "alto, elevado, nutrido" [...], como componente. 1) de der. de topônimos (quase sempre de natureza fluvial ou altitúdico): alto-alecrinense, alto-alegrense, alto-araguaiense, alto-duriense, alto-garcense, alto-grandense, alto-itaunense, alto-lajeadense, alto-longaense, alto-maranhense, alto-minhoto, alto-paraguaiense, alto-paraisense, alto-paranaense, alto-paranaibense, alto-piquirinense, alto-rio-docense, alto-voltaico, alto-voltense; 2) de designativos hierárquicos: alto-comissariado, alto-comissário; 3) de aumentativos funcionais: alto-baixo, alto-e-malo...

Pergunta:

Se carrinho é o diminutivo de carro, ou seja, um carro pequeno, por que razão carrinha designa um veículo de maior dimensão do que um carro normal de passageiros? Ex.: «carrinha de mercadorias», «carrinha de caixa aberta», etc. Gostaria de ter a vossa sábia explicação para este facto.

Muito obrigada.

Resposta:

Existem efetivamente formas do género feminino que aparentemente são as que correspondem a certos substantivos do género masculino; é o caso de carrinha em relação a carrinho. No entanto, carrinha e outros substantivos do género feminino, geralmente referentes a entidades não animadas (saca, pipa, cesta), não designam exatamente entes do género feminino, sendo antes palavras com significado não relacionado com o contraste de género (ou seja, não são propriamente as formas de feminino de carrinho, saco, pipo, cesto). Este contraste é observado por Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (2002, p. 132):

«É pacífica [...] a informação de que a oposição masculino–feminino faz alusão a outros aspetos da realidade, diferentes da diversidade de sexo, e serve para distinguir os objetos substantivos por certas qualidades semânticas, pelas quais o masculino é uma forma geral, não-marcada semanticamente, enquanto o feminino expressa uma especialização qualquer:

barco/barca (= barco grande)

jarro/jarrra (um tipo especial de jarro)

lobo/loba (a fêmea do animal chamado lobo)

Esta aplicação semântica faz dos pares barco/barca e restantes da série acima não serem considerados primariamente formas de uma flexão, mas palavras diferentes marcadas pelo processo de derivação. Esta função semântica está fora do domínio da flexão [...].»

Sendo assim, deve assinalar-se que carrinha se fixou na língua com significado próprio, que não é o mesmo de carrinho

Pergunta:

O que significa a expressão «nivelar por baixo»? Gostaria de receber o significado e exemplos do uso dessa expressão.

Desde já agradeço pela atenção.

Resposta:

«Nivelar por baixo» significa «estabelecer uma meta que corresponde ao nível dos que estão embaixo*, numa classificação (quanto a qualidades, riqueza, capacidade etc.)» (Dicionário Houaiss).

Para atestar esta expressão, o Corpus de Português apresenta quatro entradas:

«a venda de votos para aprovar a emenda da reeleição, eles vêm para tentar nivelar por baixo. Dizer, olha, é tudo igual não há diferença.»

«E qual seria a solução nesse caso: nivelar por baixo?(…)»

«Alegando irregularidades no sinal da Manchete, a Embratel resolveu nivelar por baixo

«Não considera o povo irremediavelmente estúpido, necessariamente e definitivamente inculto; nem que “nivelar por baixo” tenha a ver com qualquer democracia.»

* No português do Brasil, grafa-se embaixo, mas, em Portugal, escreve-se «em baixo», com duas palavras a formarem uma locução adverbial.

Pergunta:

Gostaria de saber qual o substantivo que dá origem ao adjectivo atónito, isto porque atonia é o substantivo do adjectivo atónico, mas atónico e atónito são palavras diferentes.

Obrigada.

Resposta:

Nos dicionários consultados não há registo de nenhum substantivo que, em português, esteja na origem do adjetivo atónito. Na verdade, atônito (na variante do português do Brasil) ou atónito (na variante europeia) tem origem no latim attonìtus, a, um («assustado pelo ruído do trovão» e, por extensão semântica, «amedrontado, maravilhado»), particípio passado de attonare, «fazer o ruído do trovão, surpreender, atemorizar» (Dicionário Eletrônico Houaiss, edição de 2001).

Refira-se que atonia e atónico são termos científicos formados por elementos gregos. Atonia, que significa «perda do tónus» e «abatimento moral e/ou intelectual; inércia», é adaptação do grego atonía, as, «relaxamento, enfraquecimento» (ibidem). Atónico, «relativo a atonia», é adjetivo derivado do radical aton-, de atonia.

Pergunta:

Felicito-vos pelo site e pelo bom trabalho que prestam à língua portuguesa.

Gostaria de saber se a expressão «teria de ter tido» está correcta. Exemplo: «Calculava a quantidade de trabalho que teria de ter tido, numa outra profissão, para ganhar uma quantia igual à que acabara de receber neste negócio.» Presumo que «calculava a quantidade de trabalho que teria tido, numa outra profissão, para ganhar uma quantia igual à que acabara de receber neste negócio» está correcto. Gostaria que me explicassem se «teria de ter tido» pode ser utilizada e se as expressões em causa exprimem ideias ou situações temporais diferentes.

Muito obrigado.

Resposta:

O que escreveu no primeiro exemplo pode ser utilizado. As ideias expressas em cada exemplo são semelhantes, embora no segundo exemplo ocorra ter como auxiliar modal (ter de), exprimindo obrigação. De notar que, na expressão em causa, não se verifica qualquer redundância, porque ter é usado como auxiliar (modal e depois temporal) e como verbo principal, tem sempre funções ou significados diferentes. Contudo, podemos encontrar alternativas para a expressão «teria de ter tido», por exemplo: «sentia a obrigação de ter possuído/obtido/conseguido...»