Marrocos, Marráquexe e Marraquexe
Tenho encontrado alguma validação da forma "Marráquexe". No entanto, esta formulação parece-me tão bizantina que só posso perguntar se faz mesmo sentido. Não será antes "Marraquexe", como se costuma ler?
Obrigado.
Tenho encontrado alguma validação da forma "Marráquexe". No entanto, esta formulação parece-me tão bizantina que só posso perguntar se faz mesmo sentido. Não será antes "Marraquexe", como se costuma ler?
Obrigado.
Atualmente, a forma Marraquexe, que se aceita como correta, é a mais corrente e impôs-se pela força do uso, pelo menos, a avaliar pela sua sistemática presença em textos de promoção turística. Contudo, tem tradição normativa a grafia com acento, ou seja, o nome de acentuação esdrúxula, Marráquexe.
Com efeito, Marráquexe é a única forma que figura no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que a Academia das Ciências de Lisboa publicou em 1940. Também é a forma classificada como portuguesa ou aportuguesada por I. Xavier Fernandes, no seu Topónimos e Gentílicos (Porto, Editora Educação Nacional, 1941, p. 66), no qual as grafias Marraquexe e Marraqueche aparecem entre as formas estrangeiras ou mal aportuguesadas. Anos mais tarde, encontra-se novamente Marráquexe, como forma correta em Botelho de Amaral (Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 1958) e é com só esta grafia que o nome se fixa no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves.
A forma Marraquexe, que hoje parece dominante e, portanto, se tornou aceitável (pelo menos, no Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras), deve-se provavelmente a analogia com o francês Marrakech. Mas é irónico constatar que também a forma esdrúxula Marráquexe foi avaliada com reserva e até rejeitada no passado; por exemplo, num artigo de 1922, o arabista português David Lopes (1867-1941) considerava que o nome da cidade em apreço era Marrocos, igual, portanto, ao nome do país:
«Marrocos. É igualmente nome correcto: de Marrācox. O ā tónico tem por vezes o valor de o quando precedido de r: xarope de xarāb; Roçalgate de R[a]çalhadd […]. Os Franceses usam hoje a palavra Maroc para designar o país e Marrakech para a cidade, como Mexico e Mexique, na América, apesar de serem na origem a mesma palavra; mas a forma portuguesa é legítima fonética e historicamente. Ch representa representa o nosso x e o som correspondente árabe, que quando final de palavra em português é substituído por s (o nosso ch tem outra origem); além disso, os Franceses deslocam o acento tónico por motivo da sua prosódia, e a acentuação deste nome à francesa não é aceitável na boca dos Portugueses.» (David Lopes, "Alguns nomes da toponímia marroquina com forma portuguesa antiga", Revista Lusitana, vol. XXIX, pág. 272)
Da exposição de David Lopes, é possível inferir que, para o filólogo português, Marráqueche seria forma insatisfatória, por se basear no francês Marrakech, muito embora evitando a prosódia francesa e deslocando o acento tónico para a sílaba "rrá", que historicamente é cognata da sílaba rro de Marrocos (ambas remontam a rrā de Marrācox).
Como hoje se afigura impensável empregar Marrocos como nome da cidade em referência, porque tal uso esbarraria com o desconhecimento dos falantes e daria azo a confusões, resta contentarmo-nos com Marráquexe e Marraquexe, com a noção, porém, de que a primeira, porque esquecida, até parece estranha, enquanto a segunda, por recorrente, prevalece hoje no uso e é aceite como correta.