DÚVIDAS

Jápeto

Escrevi-vos há pouco tempo sobre a etimologia de Ganimedes, Arquimedes e Úrano.
   Agradeço desde já a vossa resposta. No entanto, esta apenas esclareceu parte das minhas dúvidas.
   Peço desculpa por ser insistente, mas creio que não me expliquei suficientemente bem, pelo que a minha pergunta não foi entendida por completo.
   Para além de quais são as formas correctas em Português, tinha também curiosidade em saber quais é que seriam as correctas de acordo com o Grego (Clássico).
   Embora deva confessar a minha ignorância a este respeito, sempre supus que em geral a acentuação das palavras portuguesas derivadas do Grego era definida por forma a coincidir com a acentuação das palavras equivalentes no Grego clássico. Mas presumo que possa haver algumas excepções em palavras de uso mais corrente, e que portanto foram aportuguesadas mais precocemente.
   Dito de outra forma, aquilo que gostaria de saber é se as palavras do Grego clássico das quais derivam Ganimedes, Arquimedes, Úrano, e também Jápeto (Japeto?) são igualmente graves (paroxítonas) nos dois primeiros casos e esdrúxulas/proparoxítonas no terceiro, ou se (como suspeito) são todas esdrúxulas.
   Acrescentaria que me surpreende que a forma considerada correcta em Portugal seja Úrano, uma vez que ouço toda a gente dizer Urano (palavra grave). Não estarão os nossos dicionários desactualizados a esse respeito?...Ou as pessoas mal informadas?

Resposta

Realmente não tinha percebido que a pergunta era tão vasta, mas vou tentar esclarecê-lo.

   Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que não há necessariamente uma relação entre o modo como acentuamos os nomes gregos em Português e a acentuação que tinham em Grego. Isso deve-se ao facto de o Português, como todas as línguas românicas, resultar de uma evolução do Latim. Deste modo, a regra para a transcrição dos nomes gregos para Português diz-nos que primeiro os tranpomos para a sua forma latina; depois, aplicamos-lhes a acentuação latina; só por fim os transpomos para Português.

   Não pretendo complicar, mas devo dizer que há uma grande diferença entre a acentuação grega e latina, por um lado, e a nossa, por outro: a deles era musical, a nossa, de intensidade. Mas, apesar de ambas as línguas terem uma acentuação musical, isso não significa que ela se processasse exactamente da mesma maneira: em Grego, o importante era a quantidade da última sílaba. Se esta fosse breve, então o acento poderia recuar até à antepenúltima sílaba; se fosse longa, então (dependendo dos casos) poderíamos encontrar palavras acentuadas na penúltima ou na última sílaba. Em Latim, o caso é diferente: não só não há palavras agudas, como também não é a quantidade da última sílaba que determina a sílaba acentuada. Na verdade, tudo depende da quantidade da penúltima sílaba: se esta for breve, o acento recua para a antepenúltima sílaba; se for longa, o acento mantém-se nela, originando uma palavra paroxítona.

   Esta explicação, bastante resumida, apenas pretende mostrar que nem sempre há coincidência entre a acentuação grega e a portuguesa (na maioria dos casos não há). No entanto, nos exemplos que apresenta o caso é ligeiramente diferente, como passo a mostrar:

   – "Ganimedes" provém do Grego "Ganymêdês" (o acento circunflexo serve para indicar que aquela vogal é fechada, logo longa). Em Grego é acentuada na penúlitma sílaba. Em Latim também, dado a penúltima sílaba ser longa ("Ganymedes"). Logo, neste caso, as duas acentuações coincidem.
   – "Arquimedes" é um caso idêntico, visto que provém de "Archimêdês" (acentuado na penúltima sílaba), através do Latim "Archimedes"; logo com as duas últimas sílabas longas (o que mostra a coincidência de acentuação em Grego e em Latim).
   – "Úrano" provém do Grego "Ouranos", por intermédio do Latim "Uranos". O o da sílaba final e o a da sílaba medial são breves. Daí que tanto em Grego como em Latim sejam palavras proparoxítonas.
   – Finalmente "Jápeto". Esta é a única das palavras que apresentou em que não há coincidência na acentuação nas duas/três línguas. Em Grego temos uma forma "Iapetos", acentuada na última sílaba, ou seja, oxítona. Porém, o e da penúltima sílaba é breve.

Consequentemente, em Latim temos a forma "Iapetus", acentuada na antepenúltima sílaba e que originou a nossa forma Jápeto.

   Lamento ter dado uma resposta tão longa, mas espero ter sido clara. Se o não fui, diga e eu tentarei outro modo de explicar isto.

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