Contactei os autores das respostas indicadas na pergunta. Regina Rocha mantém a argumentação sobre a agramaticalidade do emprego de ir e vir como auxiliares de si próprios. Peixoto da Fonseca reitera a sua posição: «vai ir» não é aceitável em português (embora o seja noutras línguas, como o francês, que admite “je vais aller”, literalmente, «vou ir»), mas «vai vir» não tem restrição nenhuma.
Pela minha parte, gostaria de fazer algumas breves observações. Na norma-padrão do português europeu há, de facto, restrições sobre o emprego de ir e vir simultaneamente como verbo auxiliar e verbo principal. Assim, é com estranheza que se ouvem frases como as seguintes.
(1) ?A Rita vai ir a Lisboa.
(2) ?A Rita vem vir a Lisboa.
A frase (1) não é aceitável no contexto da norma-padrão do português europeu, uma vez que não se usa a conjugação perifrástica com valor de futuro com o verbo ir ("vai ir"), optando-se antes pelo presente do mesmo verbo(«amanhã vou a Braga»). Porém, há dialectos do português que admitem «ir ir»; em falares dos Açores é possível ouvir a sequência «vai ir». Quanto a «vem vir» em (2), as diferentes normas do português rejeitam-na.
Já o uso de vir auxiliar com ir verbo principal afigura-se aceitável. Nos dicionários consultados (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) não encontrei nenhuma atestação desta compatibilidade. Contudo, a consulta do ‘corpus’ CETEMPúblico mostra que «ir vir» tem algumas ocorrências sob as formas «vou vir» (2 ocorrências), «vai vir» (5) e «vão vir» (4).
Repare-se ainda que não se usam perífrases com os verbos em análise no pretérito perfeito:
(3) * Fui ir/vir a Lisboa.
(4) *Vim ir/vir a Lisboa.
O estatuto desta perífrase deve ser, aliás, diferente no pretérito perfeito, uma vez que, em (3) e (4), os verbos ir e vir como verbos principais produzem sequências agramaticais. Se estes forem substituídos por um verbo que exprima um sentido aproximado, como ter, no sentido de «chegar», «encontrar-se com» , as frases tornam-se gramaticais:
(5) Fui/Vim ter a Lisboa/com o João
Quanto ao uso de ir e vir auxiliares com o gerúndio dos mesmos, todas as formas são aceitáveis. Assim:
(6) O João foi indo a pé.
(7) O João veio vindo a pé.
A haver restrições ao uso de (6) e (7), elas parecem-me estilísticas, sobretudo em (7), que cria uma aliteração sem finalidade. Pode-se, por exemplo, argumentar que são construções desnecessárias porque redundantes. Do ponto de vista gramatical, porém, não encontro agramaticalidade nenhuma. É esta, de resto, a posição de José Neves Henriques, explicitada aqui, no Ciberdúvidas.
Assim, «vai vir» parece-me gramatical, porque não é uma expressão redundante. Com efeito, embora os dois verbos compartilhem a ideia de movimento, eles acabam por contrastar semanticamente: por um lado, referem-se a movimentos em direcções opostas (ir sugere «afastamento», e vir, «aproximação»); por outro, têm estatuto sintáctico-semântico diferente, já que, por exemplo, em «vai vir», «vai» é um auxiliar, facto que atenua o seu significado lexical, enquanto «vir» corresponde a um verbo pleno na sua significação.
Concluindo, concordo com Regina Rocha e Peixoto da Fonseca quando dizem que «vai ir» não é gramaticalmente aceitável na norma-padrão do português europeu. Mas em relação a «vai vir», não são unânimes os juízos sobre a gramaticalidade desta expressão.