Assim, com as frases isoladas, tenho alguma dificuldade em me pronunciar. A dificuldade acresce pelo facto de o verbo auxiliar utilizado ser o verbo haver, que tem um uso cada vez mais restrito. Para além disso, a construção haver + de + infinitivo, sempre que o haver não signifique ter, pode veicular o sentido:
1 – de intenção clara: «Amanhã hei-de ir ao cinema», ou dúbia: «Amanhã havia de ir ao cinema, mas tenho tanto que fazer».
2 – expressão de desejo: «Está descansada, que tudo há-de correr bem.»
3 – de obrigação, como se se tratasse de uma ordem directa: «Amanhã hás-de vir mais cedo», ou indirecta: «Amanhã havias de vir mais cedo.»
Não conheço frases em que o verbo haver ocorra no futuro, veiculando qualquer dos sentidos indicados acima.
Por outro lado, este verbo pode surgir no mesmo tipo de construção, isto é, haver + de + infinitivo, mas equivalendo claramente ao verbo ter, e veiculando obrigatoriedade. Nesse aspecto, a frase «Amanhã hás-de vir mais cedo», porque implica uma ordem directa, pode equivaler a «Amanhã tens de vir mais cedo», embora esta última frase seja ainda mais directiva.
Em construções de obrigatoriedade, e assumindo que o verbo haver é equivalente ao verbo ter, é possível, ainda que pouco usual, a utilização no futuro.
Perante o exposto, do meu ponto de vista, há alguma diferença entre as duas frases que submete à nossa apreciação:
(1)– «Ele há de suplantar seus inimigos.»
Esta frase é ambígua. Podemos interpretá-la como a expressão de um desejo, sendo a ideia que passa a de que ele vai conseguir vencer os seus inimigos. Mas também podemos considerar que o verbo é o verbo ter, assumindo a frase uma ideia de obrigatoriedade, ou, potencialmente, de condição ‘sine qua non’: «Ele há de/tem de suplantar seus inimigos, se quiser vencer na vida.»
(2)– «Ele haverá de suplantar seus inimigos.»
Não me parece possível interpretar esta segunda frase como expressão de um desejo, mas as outras duas leituras, que afinal são uma só com leves nuances, são possíveis: «Ele haverá de/terá de suplantar seus inimigos, se quiser vencer na vida...»
Uma nota apenas para referir a diferença entre a convenção da escrita relativamente à grafia do verbo haver, quando seguido de preposição. No presente do indicativo, deste lado do Atlântico, liga-se a preposição ao verbo por hífen. Diferença que mudará quando o acordo ortográfico entrar em vigor.