Em grande número de construções do português é possível identificar outros sentidos para além do que é mais comummente associado a determinada estrutura. Esses sentidos não são todos analisados nas gramáticas e creio que não seria fácil serem-no, pois a sua ocorrência depende da criatividade linguística dos falantes que, em contexto, se expressam da forma que lhes parece mais eficaz, podendo produzir inúmeros enunciados que nunca ouviram e que poderão não voltar a repetir.
Os exemplos em apreço mostram que é possível produzir frases consecutivas que sejam exclamativas. Aliás, o facto de serem exclamativas não se prende com o tipo de relação que se estabelece na frase complexa. Prende-se, antes, com o contexto que leva o falante a optar por um dos tipos de frase ao seu dispor: declarativas, imperativas, interrogativas ou exclamativas. Por exemplo, na frase complexa «Está a chover, mas o João vai passear!» a relação estabelecida entre as duas frases inclui-se na coordenação adversativa e não deixa de ser igualmente exclamativa.
Relativamente às frases que submete à nossa apreciação, devo dizer, antes de mais, que todas elas são correctas no registo e na variante do português a que pertencem. Com efeito, são frases que correspondem a um registo informal e em que se percebe um tom coloquial (e que incluem, quase todas, uma interrogativa retórica – excepto a 6 e a 9 –, que deveria ser assinalada na pontuação, utilizando o ponto de interrogação seguido do ponto de exclamação). Além disso, embora na maioria dos exemplos se não vislumbrem marcas que identifiquem uma variante do português, as frases 1 e 9 são características do português do Brasil (PB):
1. O que terão dito para ela, que não pára de chorar?!
9. Quanto é que comeu, que não ficou nada na geladeira!
No caso de 1, em português europeu o complemento para ela seria substituído pelo pronome pessoal oblíquo lhe, como se pode verificar em 1.1
1.1 O que lhe terão dito, que ela não pára de chorar?!
Em 9 a diferença não é na estrutura mas no léxico utilizado. Em Portugal não se diria geladeira, dir-se-ia frigorífico, como em 9.1:
9.1 Quanto é que comeu, que não ficou nada no frigorífico!
O sentido do exemplo 4, retirado do contexto como está, parece estranho.
4. Como é que a cidade será em breve, que ainda não construíram as ruas?!
A primeira frase, interrogativa retórica, coloca uma questão sobre o aspecto futuro da cidade. Essa questão é desencadeada pela observação do que acontece no presente. A cidade no presente ainda não tem ruas, mas isso não impede que elas sejam construídas, pelo que a relação de consequência não é a mais adequada. Trata-se mais de uma hipótese à qual continua a faltar, saliento, o contexto para ser bem compreendida. A frase que poderia dar conta da crítica que parece subjacente seria por exemplo:
4.1 Como é que a cidade estará pronta em breve, se ainda não construíram as ruas?!»
Note-se que este exemplo é o único em que a interrogativa retórica se orienta para uma acção futura. É este facto que, a meu ver, inviabiliza a relação de consequência.