As origens que apresenta para a pronúncia do /ɾ/ em Setúbal, realizado foneticamente em vários contextos como [R] (como em carro) em vez de [ɾ] (como em caro), são meramente especulativas e não há bibliografia que as suporte. Não havendo qualquer levantamento da pronúncia do xarroco (ou charroco), nome dado ao falar sadino – considerando o termo falar tal como é utilizado por Cunha e Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo para referir as peculiaridades da pronúncia de certas regiões que não chegam a ser dialetos locais –, a história local dá alguma contextualização, mas é insuficiente para clarificar esta matéria.
Aquilo que se sabe é que apenas uma parte da cidade de Setúbal teria essa pronúncia, a zona do Troino, velho bairro de pescadores que teve sempre muita imigração da zona de Aveiro e da Fuzeta, mais acentuada a partir de 1860. Ou seja, apenas a zona da Anunciada (presentemente, com a mobilidade dos habitantes sadinos, será difícil localizar a origem geográfica dos falantes). A influência do falar algarvio é visível, por exemplo, na forma como o [u] em final de palavra se pronuncia [ɨ] (p. ex., dado > "dade"; momento > "momente"). Se os falares dessas regiões, eventualmente em conjunto com um hipotético adstrato francês ou outro – «língua ou dialeto falado numa região contígua àquela em que se fala outra língua e que pode influenciar esta última, na fonética, na sintaxe e, sobretudo, no léxico», Dicionário Houaiss –, vieram a resultar na transformação de [ɾ] em [R], é uma incógnita.
É certo que a cidade foi sempre muito aberta ao exterior e teve comunidades estrangeiras muito diferentes, por causa das laranjas e do sal e depois das conservas. Entre 1880 e 1920, a comunidade de estrangeiros em Setúbal terá sido das que mais cresceram no país por causa das conservas, mas fica por saber se essa presença terá tido suficiente influência na pronúncia dos falantes de Setúbal (O hiato de tempo foi suficiente? Os estrangeiros, entre os quais operários especializados oriundos de França, interagiam linguisticamente com os trabalhadores das conserveiras ao ponto de influenciarem a sua pronúncia? Quem trabalhava nas conserveiras, existentes junto dos vários bairros piscatórios?). Atente-se, por exemplo, que não parece haver influência no léxico. E se considerarmos a influência dos franceses ligados às conserveiras, também teremos de considerar o flamengo falado pelos mercadores da Flandres que viviam na cidade séculos antes (isto porque não há registo do momento em que o fenómeno do [R] começou a ocorrer).
Como disse antes, todas estas hipóteses são especulações, algumas pouco prováveis, como é o caso da eventual influência das tropas napoleónicas: aparentemente, o grosso das tropas que tomaram Setúbal era espanhol, e a presença das forças de ocupação não chegou a perfazer um ano (ver Carta da Junta de Setúbal ao General Bernardim Freire de Andrade, em 31 de agosto de 1808).
Uma obra para eventual consulta poderá ser a tese de doutoramento de Maria da Conceição Quintas, intitulada O aglomerado urbano de Setúbal: crescimento económico, contexto social e cultura operária: 1880-1930.