O Dicionário Terminológico define género como uma categoria morfossintática, distinguindo-se em português dois valores de género: masculino e feminino. Nos nomes que referem uma entidade animada (uma pessoa ou um animal), o valor de género corresponde, tipicamente, a uma distinção de sexo, excepto no caso dos nomes epicenos (como sapo ou corvo), sobrecomuns (como vítima ou cônjuge) e comuns de dois (como estudante ou jornalista) e ainda em casos irregulares (como no par cavalo/égua). Nos restantes nomes, esta correspondência não se verifica.
Corbett (1991) caracteriza género como «the most puzzling of grammatical categories» [=«a mais desconcertante das categorias gramaticais»], defendendo que a atribuição dos valores de género pode depender de critérios semânticos e formais. Na evolução das línguas, o género demonstra ser uma categoria arbitrária do ponto de vista referencial e totalmente convencional:
Exemplo:
latim português francês
mare (n.) o mar (m.) la mer (f.)
No latim existia uma categorização tripartida, masculino, feminino e neutro, enquanto em algumas línguas românicas derivadas se mantêm apenas duas – masculino e feminino. Na transição do latim clássico para o latim vulgar, o valor do neutro foi-se perdendo gradualmente, chegando a desaparecer, prevalecendo os géneros masculino e feminino (Gouveia, 2005). Com esse desaparecimento, os nomes cuja desinência coincide formalmente com a masculina passaram a ser do género masculino, e os nomes cuja desinência se assemelha formalmente à feminina tornaram-se femininos (Vilela, 1973).
Sendo o género uma categoria arbitrária, não estabelece, por isso, uma relação com a noção de sexo. Mesmo havendo casos em que tal acontece. Deste modo, convém salientar que a distinção entre masculino e feminino que corresponde a uma distinção do género natural não deve ser confundida com o conceito de género gramatical. Em português, todos os nomes têm um género – sintático, em que não existe uma identificação com o sexo biológico, mas de uma propriedade lexical com repercussões sintáticas, permitindo a concordância das palavras nos sintagmas e nas frases.
No entanto, muitos vocábulos variaram quanto ao género, desde o período arcaico até ao atual, havendo registos em que numa determinada época eram tidos como sendo do género feminino, assumindo, mais tarde, o género masculino (Gouveia, 2005): cometa, clima, estratagema, fantasma, mapa, mar, planeta, dia, tribo.
Deste modo, as diferenças que a consulente assinala derivam de transformações etimológicas, diretamente relacionadas com a evolução da língua que nem sempre podem ser descritas em regras, já que a categoria do género, além de depender de diferentes processos gramaticais que visam a marcação do contraste de género, é também arbitrária.
Referências bibliográficas:
Corbett, 1991, Gender, Cambridge: Cambridge University Press.
Gouveia, M. Cármen de Frias e (2011), "O género de alguns vocábulos `problemáticos´ do português contemporâneo", in: Revista Mundo & Letras, José Bonifácio/SP, v. 2, julho.
Gouveia, M. Cármen de Frias e (2005), "A categoria gramatical de género do português antigo ao português atual", in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor
Mário Vilela. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, v. 2, p. 527-544.
Vilela, M., 1973, "Considerações Gerais sobre o Género", in: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, v. I, Porto: Série de Filologia, pp.139-150.
Villalva, A. (2003). "Estrutura morfológica básica", in MATEUS, Maria Helena M. et alii. Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho. 5.ª edição.