É verdade que muitas palavras começadas por al- foram transmitidas pelo árabe, mas tal não significa, em relação às que têm essa história, que elas sejam inteiramente árabes.
Sobre Albuquerque - que antes de ser apelido era e é um topónimo da Estremadura espanhola, da província de Badajoz, onde tem a forma Alburquerque1 –, afigura-se muito duvidosa a ideia de ser inteiramente árabe. No dicionário onomástico do filólogo brasileiro Antenor Nascentes (1886-1972)2, defende-se que este topónimo tem origem na expressão latina alba quercus, ou seja, «carvalho branco». Esta tese é muito discutível e, dada a prolongada presença árabe na referida região espanhola, há quem considere que o topónimo evidencia essa influência, embora não completamente.
Com efeito, o historiador e arabista espanhol Vallvé Bermejo3 considera-o um híbrido resultante da interação do árabe com uma forma latina, por sua vez adaptação de um topónimo pré-romano. Alburquerque corresponde portanto a al- (artigo árabe), a burj («torre» em árabe; cf. o topónimo português Alvorge) e a uma forma pré-romana e pré-indo-europeia *karka, em que se distinguirá uma raiz remota *kal- ou *kar, que denotaria de modo muito genérico a noção de «pedra». Esta raiz parece igualmente encontrar-se em topónimos peninsulares como Cárquere" (Resende, Viseu), Valcarque (em Leão), Vallcarca (Sitges, Barcelona), Caracuel e Carrión (estes dois últimos em Aragão).
Quanto ao a que, no português europeu, se mantém aberto em al- mesmo em sílaba átona, trata-se de uma exceção, classificada como «regular» na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, p. 1013), de M.ª Helena Mira Mateus et al.:
«As vogais átonas de (7) não manifestam alteração em relação às acentuadas por pertencerem a sílabas terminadas por /l/ ([i] fonético), contexto que impede a alteração do timbre:
(7) salto [á] saltar [a]
mal [á] maldade [a]»4
Agradecimentos pelas calorosas palavras iniciais.
1 Cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico, 2003, s. v. Albuquerque. Segundo este autor, em Portugal documenta-se o apelido Albuquerque a partir do século XV.
2 Citado por Machado, op. cit.
3 Citado por Antonio M. Castaño Fernández, Los Nombres de Extremadura. Estudios de Toponimia Extremeña, Mérida, Editora regional Extremadura, 2004, pp. 26-28).
4 O sinal [á] é a representação fonética do chamado a aberto em sílaba tónica, e [a] representa a mesma vogal, mas em sílaba átona.