I. «O estrutagado são...»
Numa frase em que se identificam duas expressões nominais mediante o verbo ser, este concorda com a expressão que estiver no plural, mesmo que se trate do predicativo do sujeito. Deverá, pois, escrever:
«O estrutagado são as linhas torcidas, os tendões.»
«O nosso calçado eram as tamanquitas.»
«A primeira coisa que fizeram foram uns pontões.»
II. Quanto às outras dúvidas:
1. me/ma
A rigor, atendendo ao contexto, deverá não omitir o complemento directo de ler, deverá dizer e escrever: «e não ma deixava ler».
2. Complemento directo marcado como tópico de frase
As frases apresentadas estão sintacticamente correctas, porque apresentam duas construções possíveis quando se quer marcar um complemento directo como tópico (ver Maria Helena Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, pág. 492-502)
a) simples deslocação
«Umas, cozíamos, outras, assávamos, outras, deitávamos nuns caniços, secávamos, e ficavam as castanhas piladas...»
b) deslocação com retoma por um pronome átono:
«Umas, coziam-nas, outras, assavam-nas, outras, deitavam-nas nuns caniços, secavam-nas, e ficavam as castanhas piladas...»
Note-se que nem em (a) nem em (b) «umas» e «outras» são sujeitos, como se evidencia nas frases quando passam à ordem directa:
c) «Cozíamos/Coziam umas, assávamos/assavam outras, deitávamos/deitavam outras nuns caniços, secavam-nas, as castanhas ficavam piladas...»
De referir também que é necessário empregar vírgula para indicar que o constituinte na frase se deslocou da sua posição habitual, que é pós-verbal: «umas, cozíamos/coziam, outras, assávamos/assavam...». Se a acumulação de vírgulas motivada pela marcação de tópico causar confusão, pode-se recorrer ao ponto-e-vírgula, para separar as várias orações coordenadas assindéticas: «umas, cozíamos/coziam; outras, assávamos/assavam; outras, deitávamos/deitavam, secávamos/secavam, e ficavam as castanhas piladas.»
3. «... que não se podia/podiam...»
O pronome relativo que tem por antecedente a expressão «umas penedas», que se encontra no plural. É questão controversa a função sintáctica deste relativo, porque ocorre numa construção com o pronome se que é uma maneira de não identificar o sujeito. Tradicionalmente, e ainda num registo visto como mais correcto, considera-se que se, associado a um verbo principal transitivo (como neste caso é o verbo passar), é uma partícula apassivante, funcionando sintacticamente como um pronome reflexo; por conseguinte, o verbo, neste caso o auxiliar poder, concorda com a expressão que representa o paciente da acção: «umas penedas que não se podiam passar». Mais recentemente, há quem considere que o pronome se também adquiriu o valor de sujeito indeterminado, equivalente ao pronome indefinido alguém, pelo que pode realizar a função de sujeito: se este é o estatuto com um verbo intransitivo («nada-se de graça nesta piscina»), então é também legítimo generalizá-lo aos verbos transitivos e deixar o verbo no singular, porque concorda com o pronome; daí aceitar-se «uma peneda que se podia passar», na qual se é o sujeito, e que, o complemento directo.
4. Concordância com sujeitos ligados por ou
O verbo vai «para o plural, se o facto expresso pelo verbo pode ser atribuído a todos os sujeitos» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 508). É o caso de «Apenas jogavam uma ou duas pessoas».
5. Colocação do pronome átono (clítico)
A oração introduzida por porque é subordinada (causal); em português europeu, a subordinação faz o pronome átono preceder o verbo principal, se este levar a flexão. No entanto, há certos casos em que porque tem mais uma interpretação explicativa do que causal; daí a tendência a pospor o pornome coloquialmente, apesar de a norma europeia ainda não aceitar este uso.