A expressão safra-nafra figura, como bem diz o consulente, na tradução de parte da recolha Pensées de Blaise Pascal (1623-1662), numa tradução de Dinis da Luz1 (De Deus e do Homem, Lisboa, Bertrand Editora, 1945). A frase em questão encontra-se, por exemplo, na língua original, numa passagem disponível na página Les Pensées de Pascal, no fragmento Divertissement n.° 7 / 7. O texto traduzido aparece mais tarde numa página do jornal O Vilaverdense, em 1957.
A expressão safra-nafra ocorre também num outro texto, também dos anos 50 do século passado, num texto do escritor brasileiro Rodrigo de Mello, que o publicou em Atlântico. Revista Luso-Brasileira (p. 95):
«José Cunha estrenoitou-se ao chamamento brusco da alvorada (andava já, à roda dele, a safra-nafra das abluções resfolegadas e do enfarpelar dos demais), pensando que o soquete ríspido do professor a despertá-lo entrasse na sequência dos maus tratos conducentes a fazê-lo despir.» Rodrigo de Mello, Menino Longe (capítulo do romance Colégio Amarelo).»
O significado de safra-nafra será o que propõe o consulente, e é plausível que a sua génese seja a aventada na pergunta. Observe-se, porém, que não foi possível encontrar registos dicionarísticos da expressão nem menção noutras fontes que permitam dar-lhe enquadramento e comentá-la com segurança.
Quanto à forma escargo é possível que seja variante de encargo, e o contexto favorece essa interpretação, até permitindo sugerir que escargo seja uma gralha. É provável, mas convém assinalar que escargo pode também ser variante de descargo, o mesmo que desencargo.
Note-se que des- tem regionalmente a variante es-, em casos como o das variantes desperdiçar e esperdiçar. Esta variação é comentada no Dicionário Houaiss na entrada dedicada a es-, que «[...] em alguns casos, [...] equivale ao prefixo des- (ver): escabelado/descabelado, esfazer/desfazer, esperdiçar/desperdiçar [...].» Por outro lado, desencargo tem, entre outras aceções, a de «cumprimento de um encargo» (ibidem), o que possibilita supor que o tradutor concebeu os trabalhos ou problemas da vida como a tarefa de os realizar e, nesta perspetiva, tornar-se-á legítimo optar por descargo e por um vocábulo não atestado dicionaristicamente com a forma "escargo". Esta é uma hipótese que parece frágil, justamente pela falta de registos da forma "escargo". Além disso, a palavra do original francês é charge (ocorre no plural charges), vocábulo que frequentemente se traduz por encargo.
Sendo assim, para a tradução portuguesa ser coerente, impõe-se que escargo esteja por encargo, no sentido de «trabalho, responsabilidade».
1 Dinis da Luz (1915-1988) era natural de S. Miguel e sacerdote católico.