Na frase «Deixai vir a mim as criancinhas», encontramos uma locução verbal (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 393). A análise sintática será a seguinte, em moldes tradicionais:
sujeito subentendido — «vós»; predicado — «deixai vir» (o verbo deixar funciona como auxiliar); complemento (objecto) directo — «as criancinhas»; complemento circunstancial (Portugal)/objecto indirecto (Brasil) — «a mim».
Segundo alguns autores, «a mim» corresponde ao destinatário ou é um complemento que indica o destino.
Note-se que Cunha e Cintra (op. cit., pág. 485) prevêem duas situações para a concordância do verbo seleccionado por verbos como deixar (p. ex., mandar, fazer — i. e. os verbos causativos):
a) quando o verbo principal «[...] vem imediatamente depois desses verbos ou apenas separado deles por seu sujeito, expresso por um pronome oblíquo», usa-se o infinitivo não flexionado; p. ex.: «Deixa correr os dias»; «Deixa-os correr»;
b) se o sujeito for uma expressão nominal inserida entre o auxiliar e o verbo principal, emprega-se o infinitivo flexionado: «Vi as estrelas brilharem.»
A frase «Deixai virem a mim as criancinhas», com infinitivo flexionado a concordar com «as criancinhas», é equivalente a «Deixai as criancinhas virem a mim», mas não tem o favor dos referidos gramáticos. Com efeito, consideram (ibidem) que tal concordância não é comum e explica-se «pelo realce que, no caso, se concede ao sujeito do infinitivo.»
Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, págs. 284/285), que não classifica os verbos causativos como auxiliares (o que implica uma análise sintáctica diferente da acima exposta), aceita o infinitivo flexionado antecedendo o seu sujeito. No entanto, apresenta-o como uma possibilidade a par da norma, que é, com verbos causativos, «o infinitivo sem flexão, qualquer que seja o seu agente» (ibidem).
Em conclusão, é possível o emprego do infinitivo flexionado no contexto em apreço, apesar de algumas reservas.