DÚVIDAS

Contracção de pronomes

Sou professora de Espanhol e estudo Tradutorado de Português (variedade português do Brasil). Participo do Clube de Escrita Criativa do Camões, lá em Portugal, e sinto uma grande falta de informação, apesar dos bons sites como este (obrigada). E a gramática de Celso Cunha para o português europeu não está à venda por aqui.

A questão — neste caso — que mais me preocupa é sobre -ta.

Disseram-me — e é fácil adivinhar com um exemplo — que se trata de dois pronomes juntos: "enviá-tas" (enviar + te + as). Não me lembro se o acento é como no Brasil.

Já o lho, suponho que é lhe + o. Mas sei que tem muitas possibilidades.

O caso é que não encontro (on-line) nenhuma das regras de formação de estas e outras contrações que não existem no Brasil e gostaria de aprender.

Poderiam me enviar um resumo e dizer-me se pertencem ao português culto?

Resposta

Os pronomes pessoais átonos (que não são sujeito) que podem sofrer contracção são: me, te e lhe. Quando estes pronomes apresentam uma terminação diferente de –e, estamos perante uma contracção, que pode ocorrer com os pronomes o, os, a, as. Assim, se ligada a um verbo tivermos uma forma como -ta, ou -to e os respectivos plurais, estamos perante dois pronomes que se uniram, ou que estão contraídos.

Por outro lado, se tivermos em conta o sentido, tem de ser possível identificar as duas entidades que estão subjacentes, uma a cada pronome — não podemos esquecer que só podem surgir pronomes se o contexto nos permitir associar cada pronome ao nome que representa. Imaginemos as frases: 

— Essa caneta é bonita.
— Gostas (tu)? Toma. Ofereço-ta.
 

Os dois pronomes que estão na forma ta são: 

te, que remete para a segunda pessoa e que é, neste contexto, o receptor, ou seja, tu;
a, que represente a caneta.
 

Em estruturas deste tipo, o pronome a corresponde ao complemento directo, e te, ao complemento indirecto.

O mesmo pode acontecer se uma das entidades presentes — a que desempenha a função de complemento indirecto — puder ser substituída por lhe, ou seja, se for terceira pessoa. Veja-se o trecho seguinte: 

— Este livro é do João, mas não o tenho visto para lho dar.
— Eu vou lanchar com ele. Se quiseres levo-lho.
 

Em qualquer das situações, o que lho representa é:

lhe — ao João;
o — este livro.

Vejamos agora o exemplo que apresenta: "enviá-tas". O que está subjacente é, como muito bem refere, enviar + te + as. Te desempenha a função de complemento indirecto e remete para o receptor. As é o complemento directo e representa no discurso um nome que seja feminino e plural e que possa ser complemento directo do verbo em causa.

Chamo a atenção para o verbo. Na língua portuguesa há uma regra que permite, ou implica, algumas transformações no verbo, se este vier seguido de um pronome, mas de um pronome que seja representado por uma vogal (o; a). Se, na frase «vou enviar o livro», substituirmos «o livro» por um pronome, esse pronome terá a forma o. Nesse caso, como o verbo enviar termina em –r, esse –r cai, e, como a vogal que antecede esse -r não é u, nem i, passa a ser acentuada: «Vou enviá-lo». Só em casos como este é que se verifica a queda do -r. Quando o pronome que se junta ao verbo começa por consoante, o verbo não sofre alterações. A forma correcta do seu exemplo será: enviar-tas.
A contracção dos pronomes pode ocorrer em todos os registos da língua portuguesa, podendo surgir no português culto.

Deixo-lhe um endereço através do qual poderá consultar uma gramática que, eventualmente, lhe pode ser útil: http://www.priberam.pt/dlpo/gramatica/gramatica31.aspx.

E bom trabalho!

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa