Pela globalidade do seu texto presumo que com argumento queira referir o que, deste lado do Atlântico, costuma chamar-se comentário, isto é, a partir de um texto é preciso escrever, ou dissertar, sobre ele, analisando-o e comentando-o. Assumindo que é assim vou tentar dar-lhe algumas sugestões de abordagem.
Antes de mais, deverá fazer uma leitura “ingénua” do texto, ou seja, deverá lê-lo preocupado apenas em fruir essa leitura, em perceber que mensagem lhe traz esse texto. Seguidamente, terá de fazer uma análise pormenorizada, estando atento à forma como o texto se estrutura para fazer passar a mensagem. Poderá começar por se concentrar nas classes gramaticais mais relevantes no texto: nomes ou substantivos; adjectivos; verbos; advérbios. No caso dos verbos vale a pena verificar, por exemplo, em que pessoa estão conjugados; se designam eventos (acções) ou estados, etc. Importa verificar também se há discurso directo, etc., etc.
Depois de ter feito este trabalho, repare, por exemplo se os nomes ou adjectivos que existem no texto equivalem aos que um grupo de jovens usaria entre si, ou se pertencem mais ao grupo dos que um jovem usaria se tivesse de falar com uma pessoa a quem se deve tratar com muito respeito. Ao verificar isto, está a identificar marcas que lhe podem dar indicações acerca da formalidade do texto. Se grande número das palavras equivalerem às que são usadas pelos jovens entre si, o texto provavelmente é informal. Se, pelo contrário, tiver muitas palavras que só se usam em situações de grande respeito, então o texto poderá ser formal. Se, por outro lado, contiver muitos diálogos ou se usar a terceira pessoa do verbo com valor de você, ou de vocês, poderá tratar-se de um texto coloquial, que retrata uma situação de conversa.
Exemplifiquemos com um excerto retirado do Manual Compacto de Redacção e Estilo: Teoria e Prática, de Ana Tereza Pinto de Oliveira, S. Paulo, editora Rideel, 1994, pág. 653:
«Nestes dias de natal, a arte de comprar se reveste de exigências particularmente difíceis. Não poderemos adquirir a primeira coisa que se ofereça à nossa vista: seria uma vulgaridade. Teremos de descobrir o imprevisto, o incognoscível, o transcendente. Não devemos também oferecer nada de essencialmente útil, pois a graça destes presentes parece consistir na sua desnecessidade e inutilidade…»
Estamos perante um texto formal, com um vocabulário rico e variado, em que, pelo facto de se utilizarem os verbos na primeira pessoa do plural, se cria um ambiente coloquial entre o emissor e o receptor, que se encontram unidos em torno do mesmo problema: encontrar a prenda ideal. Há, além disso, um certo distanciamento irónico por parte do emissor, patente, por exemplo, na afirmação «seria uma vulgaridade»; na ideia de obrigatoriedade veiculada pelos verbos: «não poderemos»; «teremos de»; «não devemos» e na expressão «a graça destes presentes parece consistir na sua desnecessidade e inutilidade…»
Exemplificada a forma como poderá identificar a maior ou menor formalidade de um texto, e antes de vermos como poderá investir na análise do texto os seus conhecimentos sobre as funções da linguagem, recordemo-las.
Em teoria da comunicação fala-se de seis funções da linguagem , cada uma associada a um elemento fulcral da comunicação. Usarei o esquema que, com mais frequência, ilustra essa situação, associando cada função ao elemento a que reporta:
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Canal ( Função fática) |
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Emissor ( Função emotiva ou expressiva ) |
Mensagem ( Função poética ) |
Receptor ( Função apelativa |
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Contexto ( Função referencial ou informativa) |
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Código ( Função metalinguística) |
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Centrando-nos ainda no excerto apresentado, poderemos excluir da nossa análise a função metalinguística – pois o texto não reflecte sobre a própria língua, código usado – e, de certo modo, a função fática, dado não haver problemas no estabelecimento do contacto, uma vez que o canal escolhido é o papel, no qual se imprimiu ou escreveu o código, pelo que a recepção se fará em boas condições – ou não se fará de todo, no caso de o receptor não saber ler, ou não saber português.
Assim, a mensagem, com origem no autor do texto, o emissor, chegará em boas condições ao leitor, o receptor.
Eu diria que a função predominante no excerto é a poética, pois o mais importante é a forma como a mensagem está construída. A função informativa está presente e permite-nos situar: é Natal. Mas o texto gira em torno da mensagem que é apresentada de forma a envolver os dois participantes, emissor e receptor, chamados para o interior da texto através do recurso à primeira pessoa do plural, nós, presente na conjugação dos verbos: (não) poderemos; teremos; (não) devemos.
Muitas outras coisas se poderiam dizer. Seriam, de certeza, ditas de outra forma por outra pessoa, pois o que acaba de ser feito aqui é um mero exercício com o cunho pessoal, que tais exercícios implicam. Ao consulente, deixo, além do exemplo que solicita, uma proposta de metodologia e, sobretudo, dois conselhos: antes de tudo o mais, leia. Leia muito e saboreie cada linha. Depois investigue. Tem no mercado brasileiro obras que o podem ajudar. Referimos uma, neste trabalho. Outras há, que pessoas mais próximas do consulente e conhecedoras da sua realidade académica lhe poderão sugerir. Leia-as. Veja como os textos aí são tratados. Envolva-se no trabalho, quer de análise, quer de escrita. E verá que resulta!
Bom trabalho!