Considerando que o verbo soterrar1 é transitivo («o lixo soterrou a estrada») e tendo em conta que a estrutura da frase apresentada é passiva e, por isso, constituída pelo auxiliar ser no pretérito imperfeito do indicativo e pelo particípio passado (soterrado) do verbo principal (soterrar), numa perspetiva sintática, parece-nos bem considerar a expressão «pelo lixo» o complemento agente da passiva. O uso da preposição por, associado ao particípio passado soterrado, está, portanto, correto, como abona o seguinte exemplo:
1 – «Não sairei de minha casa, Lúcio! Ficarei soterrado pelos escombros, para tua vergonha» (Mário de Carvalho, Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde, 1994, in Corpus Português de Mark Davies e Michael Ferreira)
É também legítimo associar a preposição de, porque esta pode introduzir agentes da passiva ou expressões com valor causal: «soterrado de lixo», tal como acontece, por exemplo, com o particípio passado de cobrir, sinónimo de soterrar – «coberto de lixo»2.
Finalmente, igualmente se aceita que soterrado ocorra com a preposição em, quando esta se usa em referência ao espaço onde alguém/alguma coisa está soterrada; por exemplo:
2 – «E indigitou-lhe um isqueiro meio soterrado no solo e oxidado pela ação do tempo» (Apolinário Porto-Alegre, O Vaqueano, 1872, in Corpus do Português).
3 – «E, avançando ele para o Arco da Rua Augusta, avancei, silencioso, ao lado dele, soterrado em mim sob a acusação definitiva que não fora proferida» Fernando Pessoa, O Roubo da Quinta das Vinhas, in Corpus do Português).
4 – «[…] esses perpétuos caluniadores que enxameiam e zumbem, como varejeiras pesadas e tontas de sânie, em redor de cada desgraçado cujo nome não ficou soterrado como o deles na própria impotência» (Amadeu Amaral, Memorial de Um Passageiro de Bonde, 1921, in Corpus do Português).
5 – «Do fundo de mim mesmo protesto que a vida não é isto. A árvore cumpre, o bicho cumpre. Só eu me afundo soterrado em cinza. Terei por força de me habituar à aquiescência e à regra?» Raul Brandão, Húmus, 1917, in Corpus do Português).
1 Soterrar, segundo o Dicionário Ilustrado de Jayme Seguier, de 1910, p. 1075[1] significa «cobrir de terra; meter debaixo da terra; enterrar». Já o Priberam, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, 6.ª edição, o Dicionário Aberto e o Dicionário Michaelis seguem a mesma ideia: «Meter debaixo da terra, enterrar.» O Dicionário Digital Aulete dá-o como sinónimo de cobrir. Acrescente-se que o verbo soterrar é constituído pelo prefixo so (ou sob, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa supracitado) + terra + ar, com o significado «pôr sob a terra»; e observe-se que também enterrar significa “meter debaixo da terra”. Dizer «soterrado pela terra» seria, portanto, uma redundância inaceitável. O mesmo para «enterrado pela (de, ou em) terra». Porém, o Dicionário Aulete diz-nos que pode significar, por extensão de significado, “cobrir-se de chuva, neve, etc.”. E dá como exemplo: «A neve soterrou a estrada.»
2 Na Internet surgem exemplos de «soterrada de». Encontramos a expressão nas Palavras Repetidas de Gabriel, o Pensador: «A Terra [es]tá soterrada de violência.» A frase é admissível do ponto de vista lírico, sendo o discurso observado como conotativo. Também há um vídeo no YouTube cujo título é: “Homens resgata[m] criança soterrada de escombros na Síria” (foi corrigido o erro de concordância verbal do original).