Embora seja nossa prática construirmos frases com o verbo ensinar em que a presença da preposição a esteja implícita, a realidade é que esse verbo pressupõe vários tipos de construção que estão intimamente relacionados com a sua classificação — como transitivo directo, como transitivo indirecto e, também, como transitivo directo e indirecto — em função da presença e do tipo de complemento que selecciona.
De qualquer modo, o uso da preposição a não se restringe a uma ou a outra função (complemento directo ou complemento indirecto) nem está dependente dos sentidos atribuídos a ensinar: o de «instruir», o de «dar a saber», o de «mostrar» ou o de «leccionar».
Reparemos nas seguintes frases:1
a) «O professor ensina os alunos» [GN (Suj.) + V (Predicado) + GN (C.dir.)] (V. Tr. Dir. - ensinar = instruir)
b) «Divulgar a triagem do lixo ensinará a população» [Frase não finita (Suj.) + V + GN (C. dir.)] (V. Tr. Dir. - ensinar = instruir)
c) «O manual ensina que a batalha teve lugar no século XVIII» [GN (Suj.) + V + Frase finita (C. dir.)] (V. Tra. Dir. - ensinar = dar a saber)
d) «A demonstração ensina a não cometer erros» [GN (Suj.) + V + GP (a + Frase não finita-C. prep.)] (V. tr. Ind. ensinar = instruir)
e) «Ler muito ensina a escrever melhor» [Frase não finita (Suj.) + V + GP (a + Frase não finita-C. prep.)] (V. tr. Ind. ensinar = instruir)
f) «Ensina português a alunos estrangeiros» [GN (Suj.) + V + GN (C. dir) + GP (a) (C. ind.)] (ensinar = instruir)
g) «O pai ensinara ao filho que o dinheiro não era tudo» [GN (Suj.) + V + F. finita (C. dir.)] + GP (a) (c. ind.)] (ensinar = mostrar)
h) «O mestre de cozinha ensinara-o a preparar vários pratos» [GN (Suj.) + V + GN (C. dir) + GP (a + Frase não finita-C. prep.)] (ensinar = instruir)
i) «Os tratadores ensinaram o golfinho a saltar pelo meio do arco» [GN (Suj.) + V + GN (C. dir) + GP (a + F. não finita-C. prep.)] (ensinar = instruir)
j) «Ser voluntário ensiná-lo-ia a dar mais valor à vida» [F. não finita (Suj.) + V + GN (C. dir) + GP (a + F. não finita-C. prep.)] (ensinar = instruir)
k) «O docente já ensina há mais de 10 anos» [GN (Suj.) + V] (ensinar = leccionar)
Da análise que fazemos destas frases apercebemo-nos de que a presença da preposição a pedida pelo verbo ensinar ocorre nos casos em que esse verbo corresponde a «instruir» ou a «mostrar» e em que é transitivo indirecto — frases d) e e) — e/ou transitivo directo e indirecto — de que são exemplo as frases f), g), h), i) e j). Assim, o verbo ensinar implica o uso da preposição a antes de:
«Ensina português a alunos estrangeiros»;
«O pai ensinara ao filho»
«A demonstração ensina a não cometer erros.»
«Ler muito ensina a escrever melhor.»
«O pai ensinara ao filho que o dinheiro não era tudo.»
«Os tratadores ensinaram o golfinho a saltar pelo meio do arco.»
«Ser voluntário ensiná-lo-ia a dar mais valor à vida.»
Se, na mesma frase, ocorrerem estas duas situações, a preposição a precederá tanto o complemento indirecto como a frase de verbo não finito/oração de infinitivo, como se pode verificar nos exemplos:
«O pai ensina a Maria» — «a Maria», complemento indirecto
«O pai ensina a Maria a nadar» — «a nadar», oração de infinitivo/verbo não finito
No entanto, sempre que o complemento indirecto é representado por um pronome pessoal átono — me, te, lhe, nos, vos, lhe, o, a, os, as — não é usada a preposição a, porque os pronome pessoais átonos com a função de complemento indirecto substituem as expressões «a mim», «a ti», «a ele/ela», «a nós», «a vós», «a eles/elas», «ao João/ao José/ao empregado/ao amigo», «à Maria/à Joana/à colega/à mãe», «aos amigos/aos professores», «às funcionárias/às crianças».
Ora, esta situação ocorre nas frases que a consulente nos apresentou, em que o pronome «me» é usado para significar «a mim»:
«Confiar foi o Pai que me ensinou.»
«Rezar foi o Pai que me ensinou.»
«Partilhar foi o Pai que me ensinou.»
À primeira vista, as três frases parecem estar correctas, e isso deve-se ao facto de haver deslocação da ordem directa das palavras, o que confunde qualquer leitor menos atento. As frases que o consulente nos apresenta têm a particularidade de estarem construídas, não pela ordem directa, mas com mudança da ordem directa das palavras, pois há deslocação de «confiar», «rezar» e «partilhar», que se encontram antepostos às frases que o pedem. Se as colocarmos na ordem directa, dar-nos-emos conta do desvio, pois não há dúvida de que ficariam da seguinte forma:
«Foi o Pai que me ensinou a confiar.»
«Foi o Pai que me ensinou a rezar.»
«Foi o Pai que me ensinou a partilhar.»
Portanto, se deslocarmos os verbos de oração de infinitivo seleccionados pelo verbo ensinar para o início, o resultado seria o seguinte:
«A confiar, foi o Pai que me ensinou»
«A rezar, foi o Pai que me ensinou»
«A partilhar, foi o Pai que me ensinou»
O autor das frases, ao deslocar os verbos «confiar», «rezar» e «partilhar», seleccionados pelo verbo ensinar (o que implica o uso da preposição a), para iniciarem as frases, omitiu a preposição. Terá esse desvio sido intencional? Talvez, porque o objectivo do texto era precisamente o de enfatizar esses três verbos que introduzem as frases. Terá sido uma estratégia para produzir um melhor efeito no leitor dos cartazes? Todos sabemos que os textos publicitários recorrem habilmente a esse tipo de estratégia, optando por valorizar o que querem que crie impacto, que fique na memória. Mas não há dúvida de que este desvio foi feito com muita perspicácia, porque muito dificilmente se dá conta da elipse da preposição.
Importa, também, assinalar que tais frases parecem ter a estrutura de respostas a perguntas que terão sido formuladas ao sujeito que as enuncia, como se fossem ditas de imediato, sem a preocupação de uma construção perfeita. Por exemplo, perante uma pergunta do tipo «Confiar/Rezar/Partilhar… Quem te ensinou?», a resposta seria, naturalmente, «Confiar/Rezar/Partilhar… foi o Pai que me ensinou».
Porque, assim, nessas frases, os verbos «Confiar», «Rezar» e «Partilhar» surgem como valores: Confiança, Oração, Partilha.
1 Fonte: João Malaca Casteleiro (dir.), Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, Lisboa, Texto Editores, 2007, p. 393.