DÚVIDAS

Ainda a pronúncia da palavra anexim

Volto de novo com a pronúncia da palavra anexim. Desta vez, sem querer subestimar a pronúncia do português no Brasil, peço desculpa pela questão apresentada anteriormente, salientando a pronúncia das vogais mudas. Não me esqueci da inexistência destas no Brasil, mas a questão tinha surgido no território do continente português, e aqui é mesmo assim. Há vogais mudas.

Aproveito a ocasião para a questão apresentada da aproximação desta pronúncia com as línguas eslavas. Gostaria até que, se fosse possível, pudesse obter o comentário abalizado de quem de direito, sobre a esta influência. Parece-me que foi mais a presença árabe que marcou esta pronúncia. O árabe, não tendo vogais, utiliza na sua escrita sinais gráficos para marcar a "sonorização" das consoantes, conforme se trata de "a", "i" ou sem som (mudo); para este último o sinal gráfico utilizado denomina-se "sukune". De facto, conhecendo nós a história da longa dominação árabe na Península Ibérica, somos mais de crer que essa influência venha daí, da presença árabe.

Resposta

O que sugere não é impossível, mas neste momento é difícil de ser provado.

Dizer que o árabe não tem vogais parece-me um pouco confundir a grafia com a fonia, porque há de facto a pronúncia de vogais longas, notadas na escrita, e de vogais breves, que só são normalmente indicadas graficamente, por exemplo, em textos religiosos e no contexto escolar. Contudo, verifica-se realmente uma grande redução nas vogais breves, a qual em certos dialectos pode chegar à neutralização de /i/ e /u/ ou /a/ e /i/ como um "schwa", isto é, na terminologia tradicional uma vogal central fechada semelhante ao e mudo francês.

É plausível que o intenso contacto entre falantes românicos e falantes árabes no Centro e no Sul de Portugal tenha favorecido a redução do vocalismo átono do português europeu. No entanto, sabe-se que em galego havia ou ainda há uma certa tendência para fechar vogais em posição átona (o que não quer dizer que o fenómeno inverso não possa ocorrer). Por outro lado, os fenómenos de redução e neutralização vocálicas são por vezes mais de ordem tipológica do que genética, isto é, é possível encontrarem-se mais em línguas sem parentesco conhecido ou indirecto do que em línguas próximas. Por exemplo, o russo-padrão tem um fenómeno de neutralização vocálica, que lembra eventualmente processos semelhantes no árabe, no catalão central e (em certa medida) no português europeu; no entanto, há línguas e dialectos próximos dos exemplos mencionados sem tais fenómenos, como sejam o ucraniano e o catalão ocidental (com o valenciano).

Repito, a sua hipótese é atraente, mas requer um amplo estudo para o qual não parecem ainda existir as fontes adequadas.

Fonte: Kees Versteegh 2001. The Arabic Language, Edimburgo: Edinburgh University Press, págs. 157 e 166.

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