DÚVIDAS

À volta de Fão e de vocábulos semelhantes

Conforme recente resposta desse incontornável sítio, uma localidade portuguesa tem o seu nome ortografado atualmente como Fão. Creio que desse topônimo surgiu também um sobrenome português, o qual, no passado, se escrevia "Fam", mas hoje deve ser Fão, a exemplo da atual forma do geônimo que lhe deu origem. Certo?

O outro apelido, "Gram", também lusitano, deve ser grafado hoje de modo correto Grão. Confirmais?

Aproveitando o ensejo, gostaria de acrescentar que no passado havia palavras comuns e também prenomes e sobrenomes terminados em -am, cujo valor fonético era /ãu/. São dois bons exemplos, entre inúmeros outros, "Cristovam" e "Estevam", hoje Cristóvão e Estêvão.

Na nova ortografia do século XX, todavia, o -am final, com o referido valor, desapareceu em todos os casos, menos em certas formas verbais paroxítonas da terceira pessoa do plural de certos tempos verbais, tais como levam, falam, trabalhavam, façam, etc. Sendo paroxítonas e terminando pelos fonemas /ãu/, estes são representados por -am, na escrita. Sendo oxítonas terminadas em /ãu/, estes são escritos com -ão mesmo: levarão, ouvirão, darão, etc.

Pelo fato, que me parece certo, de -am, em final absoluto, só ocorrer hodiernamente em formas verbais graves, sempre com o valor de /ãu/, causa-me dúvidas o valor de –am e o acerto do seu uso em prenomes hebraicos, creio aportuguesados, de personagens bíblicas nas traduções das Sagradas Escrituras para o português feitas no Brasil pelo menos. Nestas versões, ocorrem formas como "Cam", "Aram", "Adoniram", "Mesolam", "Naamam", "Anam", "Aduram", etc., etc., etc. Se nestes casos o valor fonético de –am é /ã/, a melhor grafia não deveria ser –ã? Não seria melhor escrevê-los "Cã", "Arã", "Adonirã", "Mesolã", "Naamã", "Anã", "Adurã"? Se for /ãu/, não seria melhor grafá-los "Cão", "Arão", "Adonirão", "Mesolão", "Naamão", "Anão", "Adurão"?

Espero os vossos seguríssimos esclarecimentos. Conto mais uma vez convosco, com a vossa luz sem fim, meus diletíssimos amigos.

Muito obrigado.

Resposta

Confirmo as grafias actuais de Fão e Grão. Em relação aos nomes próprios de origem hebraica, as formas terminadas em -am são de facto incorrectas na perspectiva das convenções ortográficas ainda vigentes nos países de língua portuguesa e do novo Acordo Ortográfico. Quanto à opção por -ã e -ão, muito depende da história da transmissão desses nomes e da grafia que lhes foi fixada.

Assim, em Portugal, é tradição adaptar como -ão os nomes que noutras línguas terminam em -an  ou -on (incluindo a terminação -anem e -onem do acusativo latino) ou que assim são transcritos (Tamerlan > Tamerlão; Iran > Irão); mas há excepções: Leviatã, que já teve a variante "Leviatão"; , que já alternou com "Pão". Se um nome estrangeiro (incluindo o latim) termina em -am, a tendência é a de o aportuguesamento também ser -ão, mas há excepções como Vietname. No Brasil, verifica-se a tendência para adaptar algumas destas terminações como : Irã, Vietnã.

Note-se, de qualquer modo, que é muito provável que, desde muito cedo na história da língua portuguesa, a antiga terminação gráfica -am dos substantivos e adjectivos fosse pronunciada como ditongo nasal (/ão/, na transcrição do consulente).

Em relação aos nomes das figuras bíblicas em apreço, escrevem-se do seguinte modo, pelo menos em português europeu (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa e Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa):

Cão: filho de Noé; do latim Cham, adaptação do hebraico hām, «quente».

Arão ou Aarão: irmão de Moisés; do latim Arŏn, talvez de origem hebraica.

Adonirão e Adurão: Machado apresenta a forma Adonira, a que atribui origem hebraica, seguindo Antenor Nascentes, embora assinale reservas quanto à correcção da forma proposta — adonirm, «o senhor elevado»; o Dicionário Bíblico (Porto e Lisboa: Editorial Perpétuo Socorro e Difusora Bíblica, 1989) regista a forma Adoniram e Adoram, que julgo tratar-se de grafias antiquadas, não conformes às convenções ortográficas actuais e que devem ser escritas com -ão.

"Anão": a forma recomendada parece-me ser Hanão, equivalente ao latim Hannō, -ōnis.

Mesolão: não encontro registo desta forma ou de formas aproximadas ("Mesolam", "Mesolã") nas obras consultadas.

Naamão: Machado regista Naaman, cuja origem é o latim Naaman, «este de vocábulo hebraico que significa «beleza, alegria»; no entanto, não compreendo por que razão a grafia deste nome não segue a regra geral, que é a de passar a terminação -an a -ão, se tal grafia corresponder a parte de um sílaba tónica final; confirmo por isso que Naamão é a forma mais adequada.

Neste momento, não sei se as grafias indicadas são válidas no português do Brasil. É possível que, em vista das soluções Vietnã e Irã, as grafias com sejam também legítimas.

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