DÚVIDAS

A pronúncia do nome Ivens

Aprendi com a D. Rosalina, minha professora primária, sobre as expedições de Capelo e Ivens. E aprendi, na altura, a pronunciar Ivens à portuguesa, i. e., [íveins]. E sempre o ouvi assim pronunciado, fosse em referência ao próprio, fosse em referência ao navio de guerra com o seu nome, fosse a uma das ruas por esse país fora.

Há alguns anos, talvez na volta dos anos 80 para os 90, comecei a ouvir Ivens com a pronúncia inglesa [aivenc]. Devo dizer que este modo de pronunciar desde a primeira vez me provocou e provoca urticária.

Hoje ouvi-o de novo e resolvi procurar. Neste sítio, a pronúncia é à portuguesa (com sotaque brasileiro). No Ciberdúvidas, apontam, numa resposta de 1999, a pronúncia inglesa como correcta.

Em que ficamos? Os argumentos utilizados na resposta do Ciberdúvidas não me convencem, até porque são desmentidos na mesma resposta, agora sobre a pronúncia de Garrett.

Ivens era filho de inglês mas era português. Mas se confirmam [aivenc], então porque não [garrê]?

Resposta

O apelido Ivens é de origem inglesa, pelo que a pronúncia com ditongo "ai" é legítima, como legítimo é o aportuguesamento com vogal simples ("ivens").

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Português, afirma que o apelido (sobrenome) Ivens tem origem inglesa:

«Do ingl. Ivens tendo entrado em port. pelos Açores. Creio que o primeiro dos nossos compatriotas a usá-lo foi o explorador Roberto Ivens (1850-1898), natural da ilha de S. Miguel, filho de pai ingl. e de mãe port. Patron. ingl. do fr. Yvon, Yves, entrado por via normanda. [...]»

A pronúncia original deste apelido é, portanto, inglesa — o que não significa que não se possa aportuguesar. Vasco Botelho do Amaral teve ocasião de se pronunciar sobre este mesmo nome no Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Pátrio:

«Os apelidos estrangeiros podem e, em muitos casos, devem ser proferidos com a fonética da língua donde vieram, porque os apelidos são como que uma propriedade com direitos de origem.

«No caso da rua de Lisboa, a maior parte das pessoas cultas não podem rir-se dos incultos que pronunciam ivens, porque há muito boa gente instruída que diz áivens. Ora a pronúncia exacta ou modelar é áiveneze, com tónica do ái, silaba va com o a fechado, o ne com e surdo e ze final, e não ens, como lêem certos indivíduos cultos.»

Parece-me, portanto, que Vasco Botelho do Amaral não condena a pronúncia ditongada à inglesa nem o aportuguesamento "ivens"; o que ele censura é a pronúncia imperfeita da sequência -vens do apelido, que não deveria ter ditongo nasal ("aivães" ou "aivẽis"), mas, sim, um n articulado ("áiveneze"). Contudo, ao contrário do que acontece com o ditongo "ai", é sabido que, geralmente, os falantes de português têm dificuldades com a pronúncia do n a fechar sílaba em palavras de origem inglesa, tendendo a interpretá-lo como marca de nasalidade da vogal precedente e podendo chegar a ditongar tal n em final de palavra, como é o caso. Por isso, é capaz de parecer hoje pretensiosa a pronunciação do n articulado, quando a forma mais difundida é de facto a que tem ditongo oral na primeira sílaba e ditongo nasal na segunda.

Em suma, do ponto de vista da tradição normativa, há duas opções adequadas: "aivãis" (ou "aivẽis") e "ivãis" (ou "ivẽis"). Do ponto de vista descritivo, existe uma terceira pronúncia, a meio caminho entre a pronúncia inglesa e o aportuguesamento, que pode não ter o favor normativo mas é muito comum. Na perspetiva das atitudes e comportamentos linguísticos dos falantes, é de notar que o aportuguesamento "ivãis" na enunciação da rua com esse nome pode ser visto pelos lisboetas (injustamente, é certo) como sinal de provincianismo.

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