DÚVIDAS

A pronúncia de nh no Brasil

Sei com toda certeza que a pronúncia padrão do dígrafo nh é a consoante nasal palatal /ɲ/ (exatamente igual à pronúncia padrão da minha lingua materna, o castelhano), porém também sei que pelo menos no Brasil a pronúncia mais comum é uma consoante nasal palatal aproximante [j̃], e usualmente nasalizando a vogal anterior a esta mesma (Compare-se a pronúncia da palavra Espanha, padrão europeu [ɨʃˈpɐɲɐ] vs. o padrão brasileiro [isˈpɐ̃j̃ɐ]).

Acaso há outras regiões da Lusofonia onde a pronúncia local do nh seja como no Brasil [j̃]?

Também gostaria que me aclarasse a origem desta pronúncia tão particular. Apenas ouvi por rumores que a influência é possivelmente africana, ameríndia ou que era até a pronúncia primigênea do dígrafo em galego-português (como com a palavra vinho, entre várias outras), mas não o sei com certeza.

Antes de tudo, obrigado.

Resposta

É possível confirmar a existência de trabalhos no campo da linguística descritiva que apontam para a possibilidade de o segmento fonológico /ɲ/ ser realizado com semivogal nasal – isto é, como um i nasal – em vários dialetos brasileiros. Mas não se diga que esta pronúncia corresponde ao padrão do Brasil; trata-se tão-só de uma tendência detetável no discurso oral de muitos falantes brasileiros.

Por exemplo: «[...] os movimentos de [ɲ] > [y] e [ɲ] > [ø] já foram descritos por outras pesquisas, como a de Aguiar (1937) que encontrou realizações como [põ´bĩʊ] (pombinho), e também de Penha (1972) que encontrou formas como [pa´mõyɐ] (pamonha) e [veh´gõyɐ] (vergonha)» (Neffer Pinheiro, O processo de variação das palatais lateral e nasal no português de Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009, p. 21).

Já sobre a génese deste fenómeno, poderá defender-se que é resultado da ação de um substrato de língua banta ou outra da África subsariana, dada a deslocação de falantes dessas línguas durante o período em que o tráfico de escravos foi intenso. No entanto, não conhecemos trabalhos que fundamentem esta hipótese de forma plausível, até porque poderá também dever-se a um substrato ameríndio, o qual, aliás, pode criar o mesmo tipo de dificuldades quando se pretende detetá-lo na língua contemporânea. Do mesmo, não parece haver certezas quanto à possibilidade de esta articulação de nh ter origem em casos como o de vinho, que, no período galego-português, deveria apresentar uma vogal nasal intervocálica – vĩo –, provavelmente configurando uma pronúncia semelhante à que têm muitos falantes brasileiros.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa