DÚVIDAS

A pronúncia da palavra oliveira

Em relação ao artigo de João Alferes Gonçalves, em que escreve que é asneira dizer "óliveira", entre outros termos, não ficou claro que só é asneira se se exigir que a pronúncia usada na publicidade televisiva seja a "padrão", a "erudita", a "de Lisboa". Por mim, que só tenho família transmontana (propriedade de oliveiras...) mas sempre vivi em Lisboa, apesar de toda a minha vivência, apesar de toda a minha instrução (incluindo superior), sempre ouvi dizer (em família e fora dela) e sempre disse "óliveira" e muito surpreendido fiquei por saber que o padrão/erudito/lisboeta será "ô/uliveira". Concordo que se use em TV o padrão, mas por favor não se diga que "óliveira" é asneira absoluta.

Resposta

Procurei em gramáticas normativas e outras obras com o mesmo carácter e nada consegui apurar sobre o que se tem considerado como a pronúncia-padrão de oliveira ou de outras palavras começadas por o átono em português europeu. No entanto, dois dicionários mais recentes, relativos ao português europeu, o da Academia das Ciências de Lisboa e o Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, apresentam um o aberto na transcrição fonética da palavra oliveira: [ɔlivɐjrɐ].

Optei então por aceder aos dados a linguística teórica e descritiva disponibiliza sobre a língua falada em Portugal. Ora quem leia Maria Helena Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, págs. 1013-1016) ficará a saber que, no português europeu, há excepções à regra do vocalismo átono (ver também Mateus, A Pronúncia do Português Europeu, em linha no sítio do Instituto Camões e Pilar Vázquez Cuesta e M.ª Albertina Mendes da Luz, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Edições 70, 1980, págs. 301/302). As excepções são as seguintes:

a) as vogais átonas das sílabas terminadas por /l/ (realizado foneticamente como um l velarizado, cujo símbolo é [ɫ]): salto, relva, incrível, volta;

b) as vogais pertencentes a ditongos decrescentes: bairrista, aloirada, pausado, causar;

c) palavras começadas pelas letras o e e cujos sons mostram variação de altura ("ó"/"ô" e "ê"/"i"): obreiro ("ó"), olhar ("ó"/"ô"), ermida ("ê"/"i"), elefante ("i");

d) palavras que incluem os sufixos -zinho, -zito, - zão/- zona, - mente: devagarzinho, sozinha, florzita, facilmente, belamente, fortemente;

e) excepções marcadas no léxico (só explicáveis historicamente): invasor, relator, protector, pregar, corar , aquecer.


O caso de oliveira enquadra-se na alínea c) da lista de excepções. E parece que permite haver variação do timbre da vogal inicial, semifechado para uns, semiaberto para outros.

Um caso diferente é a pronúncia como [u], que releva da aplicação das regras do vocalismo átono. Se esta regra estipula que tudo o que não é vogal acentuada vê alterado o timbre, fácil é supor que "uliveira" ocorre por sobregeneralização da regra. Esta sobregeneralização é frequente em dialectos do português europeu, nos quais também se registam formas como "cumprar" e "sintir", em vez do que seria de esperar com nasais átonas na norma-padrão: comprar e sentir (ver Vázquez Cuesta e Luz, op.cit., pág. 62/63).

Deste modo, diria que a norma-padrão permite a variação "ó"/"ô" em casos como os de oliveira, ovelha, olhar, operar, organismo.

A pronúncia com [u], "uvelha", não sendo incorreta, é encarada como dialectalmente marcada, em virtude do referido fenómeno de sobregeneralização.

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