Na tradução em questão, parece faltar a palavra não, de modo a ir ao encontro do sentido do texto latino: «Para que o teu irmão Eneias [não] seja atormentado...»
Em todo o caso, na tradução em questão, o valor da locução «para que» é final.
Apresentam-se os versos latinos correspondentes, conforme se encontram na edição e tradução poema de Virgílio, por Carlos Ascenso André (Eneida, Lisboa, Quetzal, 2022, p. 74):
«Nate, meae vires, mea magna potentia, solus
nate patris summi qui tela Typhoea temnis,
ad te confugio et supplex tua numina posco.
Frater ut Aeneas pelago tuos omnia circum
litora iacetetur odiis Iunonis acerbae,
nota tibi, et nostro doluisti saepe dolore. [...]»
Esta passagem é traduzida por Carlos Ascenso André do seguinte modo:
«O meu filho, tu, só, és a minha força, tu o meu grande poder ó meu filho, tu, que desdenhas os dardos tifeios, do pai supremo, para ti me volto e imploro, suplicante, a tua graça divina. Como Eneias, teu irmão, é balouçado pelo mar e anda às voltas por todas as praias, por força do ódio de Juno, tu bem o sabes e muitas vezes penaste com o meu penar»
Esta tradução confirma, como as traduções espanhola e inglesa, que, nos versos latinos, o pedido de Vénus tem uma finalidade – a intervenção do Amor para livrar Eneias do ódio de Juno –, a qual se justifica pela situação de perigo que é descrita pela frase iniciada por como, conjunção que traduz o ut latino1: «Como Eneias, teu irmão, é balouçado pelo mar e anda às voltas por todas as praias, por força do ódio de Juno, tu bem o sabes e muitas vezes penaste com o meu penar.»
1 Na tradução em causa, é possível que haja um engano, traduzindo o ut latino, não por como, mas pela locução «para que». A inserção de não nessa sequência traduzida permite de certo modo não contrariar o sentido dos versos latinos.