De facto, não se encontram ocorrências de «ter que ver com» em documentos anteriores ao século XVIII, pelo menos, no Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira. Além disso, já que se propõe a distância de 600 ou 700 anos para propor a hipótese formulada no comentário, e sabendo dos laços estreitos do português com a Galiza, diga-se que também não se identifica a expressão no galego antigo (cf. Tesouro Medieval Informatizado da Língua Galega). Não obstante, no espaço ibérico, em castelhano antigo, encontramos documentos nos quais ocorre a expressão correspondente (Corpus del Español, de Mark Davies):
Siete Partidas – s. XIII: «la muger non auiendo que ver con otro nin el marido con otra.»
Conde Lucanor – s. XIV: «otro si dize que este rey don alfonso fue casado con berta hermana del rey carlos pero nunca ovo que ver con ella.»
Atalaya de las Crónicas – s. XV: «E los castellanos de alli adelante non touieron mas que ver con el Rey de leon & fueron francos en toda su tierra.»
Tratado de los Pecados – s. XVI: «Pero esto no tiene que ver con el evitar el pecado de usura e injusticia.»
Mesmo que a expressão fosse desconhecida em Portugal antes do século XV, é de supor que passasse a ser conhecida sobretudo no final desse século, na corte de Lisboa, que se tornou bilingue, situação linguística que também explica as várias peças no castelhano algo aportuguesado de Gil Vicente. Sugiro, por isso, que, face ao frequente contacto de certa camada social portuguesa com o castelhano, principalmente nos finais do século XV, há forte probabilidade de «ter que ver com» ser expressão conhecida em Portugal desde o referido século, que sem dificuldade se transpôs para o português.
Saliente-se ainda que «ter a haver que» só ocorre duas vezes, em textos do século XX, no Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira. Outra sequência semelhante corre mais frequentemente no corpus consultado, «haver-se com», com o significado de «enfrentar», «lidar»:
João de Lucena, História de São Francisco Xavier, s. XVI – «e assim parece se quis em parte haver com o tirano de Jafanapatão.»
Luís Fróis, História de Japão, s. XVI – «sobre este fundamento lhes fez huma larga exhortação, e de como se havião de haver com a christandade.»
João de Barros, Década Terceira, Livros I-X, s. XVI: «E polo que ele, Garcia de Sá, sentia del-Rei e do seu Governador, pelas cartas que lhe escreviam da maneira que ele, Garcia de Sá, se havia de haver com as cousas de Maluco, a ele lhe parecia que não tardaria muito mandarem um capitão pera fazer a fortaleza.»
Em suma, na recolha aqui feita, de dados respeitantes ao português, que não vão além do s. XVI, não se encontram ocorrências do uso de «ter a haver com» que confirmem a hipótese em referência.