Gostaria, antes de mais, de repetir, e salientar, o que comecei por dizer na resposta O aspecto dos verbos: a semântica frásica não é a área da língua portuguesa em que me sinto mais à vontade. Devo dizer, igualmente, que, mesmo em áreas em que me sinto um pouco mais confortável, há abordagens teórico-metodológicas que não me atreveria a fazer.
Vem esta introdução a propósito da resposta em curso que poderá não satisfazer o consulente, pois parece-me muito mais bem documentado do que eu no que ao aspecto linguístico diz respeito.
Ainda assim, dos documentos que consultei para poder responder, ressalta um aspecto que me pareceu consensual: na sua relação directa com o desenrolar da acção, ou evento, os aspectos primordiais são dois: perfectivo, ou perfeito; imperfectivo ou imperfeito. Esta bipartição, se assim lhe podemos chamar, está, parece-me, bem sintetizada no artigo Interpretação temporal: representação e raciocínio, de Emiliano Gomes Padilla: «O aspecto verbal indica o ponto de vista em que se deve ver a ação: do ponto de vista em que já ocorreu ou ainda decorre», in http://www.inf.ufrgs.br/~emiliano/semin.html
De uma forma genérica poder-se-ia dizer que perfeito e perfectivo são formas distintas de dizer a mesma coisa.
Partindo deste ponto de vista – e sem pôr em causa abordagens específicas, legítimas, em contextos também específicos e de legitimidade inquestionável – analisemos as frases em apreço:
(1) Doroti confirma que já têm chegado vários protestos de quem transporta os idosos.
(2) Quando Isabel chegou, Suely já tinha saído.
(3) Às 21h00 uma amiga enfermeira que tinha-me encaminhado a um médico de posto de saúde ligou para ele mas este já tinha ido embora.
Na frase (1) «(já) têm chegado» indica a ocorrência, não de um evento, mas de vários, em número indeterminado, não havendo qualquer certeza de que o fenómeno designado já tenha cessado, se encarado na globalidade. Neste caso, creio que há um aspecto habitual, a que se associa o aspecto iterativo. Porque se mantém a possibilidade de ocorrência no momento da enunciação, diria que estamos perante o aspecto imperfectivo, ou imperfeito, pois os protestos poderão continuar a chegar.
Em (2) não temos um ponto de observação, mas dois, cada um deles focando um evento. Assim, do ponto de vista do acto narrativo é focado um primeiro evento («chegou»), face ao qual um outro, que lhe é anterior, ocorreu («tinha saído»). Estamos perante dois eventos – chegou e tinha saído (ou saíra) –, ambos anteriores ao tempo da observação e um anterior ao outro. No momento da enunciação, ambos estão concluídos, veiculando, pois, ambos o aspecto perfectivo ou perfeito. Em ambos os eventos poderemos identificar um resultado – chegou: a chegada da Isabel; tinha saído: a saída da Suely.
Semelhante a (2) é, creio, o que ocorre em (3), sendo a actividade ligou e o evento tinha ido embora, anteriores ao momento de focalização, ambos conclusos, associáveis, por isso, grosso modo, ao aspecto perfectivo ou perfeito.