Pode dizer-se que, no contexto apresentado, satisfeito é ainda o particípio passado do verbo satisfazer, mas esta é uma uma classificação pouco consensual. Com efeito, no contexto do ensino básico e secundário, embora me pareça aproveitável para uma atividade formativa, o caso em questão é capaz de levantar dificuldades a corretores de exames e provas sumativas.
Há autores que consideram tratar-se de um particípio passado, numa construção passiva que exprime estado resultante. Trata-se de uma passiva resultativa, conforme descrição e terminologia da Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 440). No entanto, a mesma gramática adverte (idem, p. 1478):
«A função predicativa em orações com os verbos ficar e estar é, sem dúvida, o contexto em que os particípios se aproximam mais dos adjetivos, sobretudo do ponto de vista semântico e lexical. Esse esbatimento de diferenças entre as duas classes reflete-se na oscilação das gramáticas relativamente ao estatuto de algumas dessas formas, bem como à terminologia usada para a descrever: nalguns casos, a sua origem participial é praticamente ignorada, sendo considerados adjetivos simples; quando são reconhecidos como particípios, são por vezes chamados "particípios adjetivais", outras vezes de "adjetivos de particípio" (ou "participiais"). [...]
«Do que ficou dito, podemos concluir que não existe uma separação nítida e estanque entre a classe dos adjetivos e a dos particípios passados. Antes, os particípios, dependendo do contexto em que ocorrem e também do seu sentido mais ou menos previsível a partir do verbo com que se relacionam, podem ocupar um determinado número de posições numa escala gradativa na qual um dos extremos corresponde a formas inteiramente verbais e o outro a formas cujo sentido se afasta do verbo correspondente, e das quais se pode dizer que se recategorizaram completamente em adjetivos. [...]
«[O]s particípios mantêm um estatuto plenamente verbal nos tempos compostos; nas orações passivas, os particípios são sintática e semanticamente verbais, mas adquirem propriedades morfológicas adjetivais, concordando em género e número com o nome que modificam ou sobre o qual predicam [...]. Nas orações copulativas, especialmente com os verbos de cópula estar e ficar, os particípios não só ocorrem nos mesmo contextos em que ocorrem adjetivos, mas adquirem também propriedades aspetuais que os aproximam destes; no entanto, na sua maioria, mantêm um sentido lexical que se relaciona com o sentido do verbo correspondente – ou seja, não estão ainda totalmente recategorizados em adjetivos [...] Finalmente, certos particípios recategorizam completamente em adjetivos, ficando ainda mais ténue (ou, por vezes, desaparecendo) a relação de sentido entre as duas formas.»
Em suma, relativamente ao caso em questão, satisfeito é ainda uma ocorrência de satisfazer, podendo ainda ser classificado como particípio passado. Além disso, não se confunde com a recategorização de satisfeito como adjetivo num contexto como «um homem satisfeito não resmunga». Mas, repetindo, se este caso e a respetiva análise podem ter interesse numa aula de gramática do ensino secundário como item a explorar numa atividade formativa, considero que não têm as características inequívocas que os tornariam adequados a uma prova de exame nesse nível de escolaridade (pelo menos, a um certo tipo de prova), nem acho que se prestem a ser abordados no ensino básico.