Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tendo consultado as vossas explicações, fiquei, todavia, em dúvida. Na frase apresentada, a preposição é necessária?

«Sei que ficaria mais fácil de escrever um texto que se lesse.»

Cordialmente

Resposta:

Com base na análise gramatical das construções com fácil (ou difícil ou impossível) (Gramática do Português, pág. 1940), a preposição de não deve figurar na frase em causa: «Sei que ficaria mais fácil escrever um texto que se lesse.»

Na frase em questão, a forma verbal «sei» seleciona um complemento direto realizado como oração subordinada substantiva completiva finita: «... que ficaria mais fácil escrever um texto que se lesse.»

Nesta oração, o predicado é «ficaria mais fácil» e o sujeito é a sequência «escrever um texto que se lesse», uma oração subordinada substantiva completiva de infinitivo. A ordem de constituintes da oração completiva finita está invertida (ordem inversa), uma vez que o predicado «ficaria mais fácil» vem antes do sujeito. Tanto na ordem inversa, como na ordem direta, a sequência «escrever um texto que se lesse ficaria mais fácil» não pode ser introduzida pela preposição de: *«... ficaria mais fácil de escrever um texto que se lesse», *«de escrever um texto que se lesse ficaria mais fácil» (o asterisco indica incorreção).

A preposição de só seria utilizada se a frase estivesse conforme a construção com valor passivo «alguma coisa ser fácil/difícil/impossível de» + infinitivo: «Este é um texto fácil de escrever» (= «este é um texto que é escrito facilmente»). Não é o caso. 

«Todos ansiam»?!
Caprichos flexionais dos verbos em -iar

Bruno Lage, ao afirmar que «o que interessa é responder da forma que todos ansiam», chamou a atenção para a conjugação correta do verbo ansiar.

 

Pergunta:

Se eu tiver um software que eu chamei "Prox", teria de me referir a ele como "O Prox" ou "A Prox", se eu decidir não fazer menção à palavra software na oração?

Se pudesse ter uma explicação sobre o assunto seria ótimo!

Obrigada

Resposta:

No caso de Prox,  o nome termina com um x, o que não dá indicação clara de género, mas, como a maioria dos nomes de software segue o género masculino por convenção, já que programa e sistema e outros termos relacionados são masculinos, pode  assumir-se que se dirá «o Prox». À sua semelhança temos «o Linux», «o Photoshop», «o Excel», entre outros, que seguem a mesma lógica de atribuição do género masculino.

Pergunta:

Nas frases «O clube concede este diploma a fulano em reconhecimento à sua representação na personagem – Chico – no drama...» ou «O clube concede este diploma a fulano em reconhecimento pela sua representação da personagem – Chico – no drama...», devo escrever «reconhecimento à sua representação... » ou «reconhecimento pela sua representação...»? Ambas as construções estão corretas?

Obrigado antecipadamente pelo esclarecimento.

Resposta:

Ambas as construções – «em reconhecimento à sua representação» e «em reconhecimento pela sua representação» – estão corretas porque o substantivo reconhecimento constrói regência com as duas preposições: por. «Reconhecimento  a» e «reconhecimento por» usam-se com o sentido de: «o reconhecimento [gratidão, agradecimento] a ou para com alguém (por algo); o reconhecimento a Deus pelo dom da  vida», de acordo com o Dicionário Prático de Regência Nominal.

Pode aceitar-se é que divirjam ligeiramente no estilo:

(1) «Reconhecimento à sua representação» sugere algo direcionado ao objeto do reconhecimento, sugerindo uma relação estática;

(2) «Reconhecimento pela sua representação» destaca de modo mais dinâmico o motivo pelo qual o reconhecimento está a ser dado. 

Pergunta:

Ouvi recentemente alguém referir que tinha produzido um «texto esquálido, clean, minimalista», creio que foi essa a frase exata que a pessoa utilizou.

O sentido da palavra esquálido é o de que era um texto "enxuto", sintético, conciso. Ou seja, a palavra esquálido tinha uma conotação positiva. Nunca tinha ouvido a expressão aplicada a um texto e sobretudo com uma conotação positiva.

Podem, s.f.f., esclarecer se esse uso está ou não correto?

Muito obrigado e parabéns pelo vosso trabalho.

Resposta:

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, a palavra esquálido tem as seguintes aceções: «que é ou está muito sujo; que está desalinhado, descuidado ou em desordem; que é considerado extremamente incorreto, baixo do ponto de vista moral; que está descorado e fraco; que está lívido, macilento; que é ou está sombrio, escuro». Estas definições indicam que esquálido tem, tradicionalmente, conotações negativas, associadas a sujidade, miséria e desleixo. Portanto, o uso da palavra para descrever um texto de forma positiva, como enxuto, sintético, conciso, é pouco convencional e não está alinhado com os significados estabelecidos.

No entanto, o uso inusitado ou criativo de palavras, mesmo em sentidos divergentes do normativo, ocorre com alguma frequência na linguagem, especialmente em contextos literários ou artísticos. A escolha de esquálido, neste contexto, pode ter sido feita de modo irónico, metafórico, ou mesmo com intenção estilística, atribuindo ao termo um novo sentido.

Portanto, ao avaliar-se esta escolha é importante considerar o contexto. Contudo, em contextos formais, tal uso é desaconselhado.