Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora
<i>Entrar</i> num contentor do lixo
Os usos do verbo entrar

Quando se diz que uma pessoa «entrou num contentor do lixo», será que estamos diante de uma expressão bem escolhida? A consultora Sara Mourato questiona a opção linguística de uma notícia em português inspirada na que foi dada por uma publicação espanhola, onde o espanhol meter se tornou entrar. De facto, não seria mais natural meter(-se) para dar conta da ocorrência? 

Pergunta:

«Falda da montanha» ou «fralda da montanha»?

Resposta:

Falda e fralda são conceitos sinónimos quando usados para descrever a base ou a parte inferior de uma formação geográfica como montes e serras. Ambas as palavras compartilham o mesmo sentido de aba ou sopé da montanha, segundo o Dicionário Houaiss.

Poderíamos, portanto, usar «falda da montanha» ou «fralda da montanha» sem que o sentido mude. Na prática, contudo, acontece que, em referência, a terrenos montanhosos, é mais corrente falar em «faldas da serra/montanha» do que «fraldas da serra/montanha» (cf. Corpus do Português).

A nota etimológica do Dicionário Houaiss esclarece que ambas as palavras partilhas uma origem comum:

Falda: vem do francês antigo, de um termo de origem germânica falda e com o sentido original de «partes da roupa feminina que caem soltas, sem encostar no corpo». Esta ideia está ligada a algo que desce, como uma dobra ou aba de tecido, e é o que permite a aplicação do termo à base de uma montanha, por associação. O termo pode ter entrado na língua portuguesa através do catalão ou do provençal. Desse mesmo termo derivam outras formas, como faldra (com adição de um som intermédio) e, posteriormente, fralda, que surgiu por metátese (um som troca de sílaba).

Fralda: é uma variação de faldra, que, por sua vez, deriva de falda. Em termos históricos, faldra registou-se no século XIV e fralda, no século XV.

Resumidamente, ambas as palavras têm origem em falda, que era usada para descrever partes da roupa caídas.

Pergunta:

Devo dizer «30 kilowatts hora» ou «30 kilowatt hora»?

Resposta:

Do ponto de vista estritamente linguístico, o plural é «30 kilowatts-hora» ou, na grafia parcialmente aportuguesada, «30 quilowatts-hora», de acordo com o  Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa. Note-se que se trata de um composto hifenizado, formado por dois nomes, kilowatt e hora1.

Quando utilizamos o símbolo que representa esta unidade, escrevemos kWh (cf. Infopédia), que não se pluraliza2. Neste formato, o símbolo permanece invariável, independentemente de ser singular ou plural: «30 kWh».

 

1 Ver também o Portal da Língua Portuguesa.

2 Conforme Guilherme de Almeida observa, «Os símbolos das unidades nunca se escrevem no plural» ("Sobre os nomes e símbolos das unidades físicas"). Em Sistema Internacional de Unidades (S). Grandezas e Unidades Físicas. Terminologia, símbolos recomendações (Plátano Editora, 2002, p. 168), que é do mesmo autor, regista-se a forma quilowatt hora (sem hífen) e o sím...

Já foi vítima de <i>quishing</i>?
Anglicismos e códigos QR

O que define o novo tipo de ciberataque denominado quishing? Haverá tradução do mesmo para português? A estas perguntas responde a consultora Sara Mourato, num texto onde reflete sobre os neologismos que surgem na área dos ciberataques e, consequentemente, da cibersegurança.

Pergunta:

Pode dizer-se «certidão que instrói o recurso», ou deve, apenas, dizer-se «certidão que instrui o recurso»?

Resposta:

A conjugação do verbo instruir, que, neste contexto significa «fornecer os elementos necessários para a análise de um recurso», na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, é instrui. Por essa razão, o correto seria: «certidão que instrui o recurso». 

 A forma "instrói" está incorreta, pois deriva de uma analogia popular com verbos como construir. O verbo instruir segue a conjugação de outros verbos como atribuir, constituir ou contribuir, portanto a forma correta no presente é instrui. A variante (incorreta) "instrói" pode aparecer em alguns contextos informais ou irónicos, mas não deve ser utilizada em textos jurídicos ou formais, onde é esperado o uso padrão da língua.