Pergunta:
Qual é o significado das expressões «criar cama» e «ganhar cama» usadas em Húmus de Raul Brandão, terceira edição:
«As paixões dormem, o riso postiço criou cama, as mãos habituaram-se a fazer todos os dias os mesmos gestos. Só eu me afundo soterrado em cinza. Terei por força de me habituar à aquiescência e à regra? Crio cama e todos os dias sinto a usura da vida e os passos da morte mais fundo e mais perto. ... e finjo, e o sorriso acaba por ganhar cama, a boca por se habituar à mentira...»
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Resposta:
As expressões «criar cama» e «ganhar cama», no excerto da obra de Raul Brandão, remetem para um estado de acomodação ou de hábito, num registo marcadamente metafórico.
Vejamos: por um lado «criar cama» parece sugerir o estabelecimento de uma rotina ou padrão. Na oração «o riso postiço criou cama», compreende-se que o riso postiço/falso, inicialmente forçado, se enraizou de tal forma que passou a integrar o quotidiano, fazendo agora parte de um comportamento repetido; por outro lado, «ganhar cama» pode ser interpretado como a transformação de algo numa prática habitual. A expressão «o sorriso acaba por ganhar cama» indica que o sorriso, ainda que inicialmente artificial, acaba por se tornar uma ação repetitiva e automática, sem reflexão.
Estas expressões apontam, portanto, para a ideia de que determinados gestos ou sentimentos se solidificam, ganham terreno, tal como uma cama que, em sentido figurado, simboliza um espaço de acomodação ou resignação, frequentemente associada à rotina e à falta de autenticidade.