Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Habitualmente vê-se a redação «Entrada em vigor e produção de efeitos», sobretudo, em legislação. Contudo, já li que algo produz/produziu efeito numa determinada data, ou seja, a palavra efeito e não efeitos (no singular e não no plural).

Deste modo, gostaria de perceber qual a forma correta (ou, até, se ambas estão corretas).

Obrigada.

Resposta:

De facto, é comum encontrar-se em textos de ordem jurídica efeito ou efeitos indiscriminadamente associados ao verbo produzir, e ambas as formas estão corretas, isto é, é correto «produzir efeito» assim como o é «produzir efeitos» sem que haja alteração de significado da expressão. Vejam-se alguns exemplos:

(1) «A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada.» (Decreto-lei n.º 48/95, de 15 de março)

(2) «5 - Nas situações previstas na alínea c), a exclusão da reserva de recrutamento apenas produz efeitos após a homologação da lista de colocação da oferta.» (Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril).

É de notar, contudo, que o substantivo efeito surge em certas expressões de caráter fixo na língua, como é o caso de «para efeitos de» ou «para o efeito de», atestadas nos dicionários (por exemplo, no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa). O significado de ambas as locuções é o mesmo: «para fins de; com o objetivo de».

Pergunta:

Porque se diz «greve ao trabalho [suplementar]» mas não «greve à comida» ou «à produtividade» e sim de fome ou de zelo? Ou ao contrário, porquê ao trabalho e não de horário laboral?

Resposta:

O uso da preposiçáo prende-se com o tipo de greve de que se fala, isto é, quando se trata da área de atividade em que se faz greve, então a preposição é a, se, por outro lado, se se tratar da maneira como se faz essa greve, então será de. De resto, a própria semântica do termo greve já nos dá essas pistas. Este substantivo está atestado no dicionário como sendo o «acordo entre trabalhadores subordinados em suspender ou alterar a prestação de trabalho, com o fim de exercer pressão e obter decisões favoráveis aos seus interesses coletivos profissionais», no Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciências de Lisboa (ACL), ou a «interrupção temporária, voluntária e coletiva das atividades ou funções, por parte de trabalhadores ou estudantes, como forma de protesto ou de reivindicação» (Priberam). Assim, temos greve ao trabalho suplementar, greve às aulasgreve à cobrança (de impostos). 

Por outro lado, quando se diz que se faz greve não comendo ou não sendo produtivo, por exemplo, independentemente das motivações, usa-se a preposição de: greve de fome e greve de zelo (e não à comida ou à produtividade). Além disso, estas locuções estão atestadas nos dicionários. 

A capacidade de <i>maternar</i>
A origem do neologismo

Quando se lê a expressão «a capacidade de maternar», o que se entende por maternar? Este é um verbo que surge em contextos referentes a recém-mães, mas que não se encontra ainda atestado nos dicionários. Procura-se, assim, com este texto, perceber por que via chegou este verbo à língua portuguesa, tendo em conta que há seus sinónimos nas línguas inglesa e francesa. 

«Sofrimento: sofrimento físico, psicológico e espiritual»
O valor da conjunção e

No contexto da discussão da chamada «lei da eutanásia», a definição dada de «sofrimento de grande intensidade» no Decreto da Assembleia da República n.º 23/XV começa assim: «[é o] o sofrimento físico, psicológico e espiritual [...]». O Tribunal Constitucional rejeitou o decreto pelo Acórdão n.º 5/2023, considerando que a definição é ambígua, porque, em «sofrimento físico, psicológico e espiritual», a conjunção pode ter dois valores, cumulativo e alternativo. Sendo e uma conjunção coordenativa copulativa, que marca valores adicionais, como é que se pode falar do seu valor «cumulativo»?

Pergunta:

Como se diz?

«Senhores e senhoras»

ou

«Senhores»?

Resposta:

Atesta-se como comum o uso do vocativo «senhores e senhoras»:

(1)  «Sim, senhores e senhoras, o que dirá o estrangeiro...» (Seabra, BrunoPaulo, in Corpus do Português)

(2)  «– meus senhores e senhoras, Quero dar-lhes um lembrete, Não propalem por aí...» (Júnior, Joaquim. O defeito de família, in Corpus do Português)

(3) «– Boas-noites, meus senhores e senhoras, até amanhã.» (Alegre, Araújo. Angélica e Firmino, in Corpus do Português)

É também comum a forma «senhoras e senhores» (ou «minhas senhoras e meus senhores»), não havendo assim uma ordem específica dos constituintes:

(4) «Todos nós sabemos, senhoras e senhores, o que é o himeneu» (Assis, Machado. As bodas de Luís Duartein