Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Com a locução coordenativa correlativa «tanto...como...» dá-se a próclise ou a ênclise do pronome?

Exemplos:

a) «Tanto ele como ela se mantiveram calados.»

b) «Tanto ele como ela mantiveram-se calados.»

Nesta situação, qual a frase correta?

Obrigado pela vossa colaboração.

Resposta:

A locução conjuncional coordenativa correlativa adverbial «tanto... como» desencadeia próclise, i.e., o pronome clítico ocorre antes do verbo. Assim, o correto é:

(1) «Tanto ele como ela se mantiveram calados.»

O mesmo sucede com outras locução conjuncionais coordenativas correlativas adverbiais: «não só... como» (2), «não só... mas também» (3):

(3) «Não só fez um bolo gigante como o comeu todo sozinho»;

(4) «Não só fez o bolo, mas também o comeu».

Deixa-se a sugestão de leitura deste artigo (aqui) com mais informação acerca da questão da ênclise e da próclise na coordenação.

Pergunta:

É correto contrair a preposição de com palavras começadas por vogal? Em textos anteriores à reforma ortográfica de 1911, é comum ver contrações como "d'imaginação" ou "d'enthusiasmo".

Ainda são aceites nos dias de hoje?

Resposta:

Se a palavra que segue a preposição for um nome comum simples, não há registo de que se possa usar o apóstrofo, que, de resto, é de uso facultativo nos casos em que é possível o seu uso. 

É possível, então, o uso do apóstrofo com a preposição de sempre que esta antecede qualquer título ou denominação cujo primeiro elemento é um artigo definido: «O canto V d'Os Lusíadas» ou «li um artigo d'A Bola». Também se prevê a elisão do e da preposição de no interior de nomes compostos: borda-d'água, copo-d'água, pau-d'alho, etc.

Veja-se o que se diz acerca do uso do apóstrofo na base XVIII do Acordo Ortográfico em vigor. 

Pergunta:

O uso de e e «além disso», seguidos, na mesma oração, é correto?

Exemplo: «fulano disparou com a arma de fogo e, além disso, estourou uma bomba.»

Desde já, agradeço a atenção.

Resposta:

Não há nada de agramatical em «fulano disparou com a arma de fogo e, além disso, estourou uma bomba», i.e., no uso dos dois conetores discursivos aditivos (ou sumativos) (DTe e «além disso»  «ademais, de mais a mais, outrossim» (Dicionário Houaiss) – que estabelecem entre os enunciados uma relação de adição.

Contudo, apesar de se tratar de dois conetores com o mesmo valor,  «além disso» tem a função de articular com o restante discurso uma informação adicional encarada como agravante, neste caso, da primeira situação, i.e., marca a ocorrência de informação adicional que reforça o caráter negativo do estado de coisas referido discursivamente. 

Pergunta:

Como devo dizer: «Obrigada sou eu que lhe fico» ou «obrigada sou eu quem lhe fica»? Ou ambas as formas são aceitáveis?

Resposta:

As duas frases estão corretas: 

(1) «Obrigada sou eu que lhe fico»;

(2) «Obrigada sou eu quem lhe fica».

Em (1) o pronome relativo que refere-se ao antecedente eu e desencadeia concordância na 1.ª pessoa – fico.

Em (2), quem desencadeia a concordância na 3.ª pessoa do singular – fica.

Uma última nota, não inteiramente relacionada com a dúvida da consulente, mas relacionada com a construção com o adjetivo obrigado, que pode causar alguma estranheza. No Dicionário Houaiss relativamente ao verbete obrigado diz-se: «que se sente devedor de um favor, de uma amabilidade; agradecido, grato (empregado também interjetivamente)» e dá como exemplo: «ficamos-lhe obrigados por tantas gentilezas». Quer com isto dizer-se que, apesar de ser uma construção menos recorrente, obrigada em «Obrigada sou eu que lhe fico»,  é sinónimo de agradecida: «Agradecida sou eu que lhe fico» ou «sou eu que lhe fico agradecida».

Pergunta:

Como se deve grafar o termo «bem comum» ou «bem-comum»? Com ou sem hífen?

O dicionário Priberam inclui (talvez recentemente) uma entrada com o nome hifenizado («bem-comum»), advertindo que a definição da palavra estará disponível em breve.

Resposta:

A consulta dos vocabulários ortográficos atualizados – VOC, Infopédia, VOLP da Academia de Ciências de Lisboa e VOLP da Academia Brasileira de Letras – revela  que não há registos da grafia hifenizada "bem-comum". A forma correta desta expressão é portanto «bem comum», sem hífen. Aquilo que se encontra é a locução «bem comum», atestada, como subentrada de bem, como «conjunto das condições materiais e espirituais que proporcionam a uma comunidade humana um bem-estar favorável ao desenvolvimento harmonioso dos indivíduos que a compõem» (Infopédia). 

Também do dicionário Priberam se encontra a locução «bem comum» como subentrada de bem

Talvez o que justifique a entrada «bem-comum» no Priberam esteja relacionado com aquilo que reporta o Acordo Ortográfico de 1990 base XV, ponto 4: «Emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio bem, ao contrário de mal, pode não se aglutinar com palavras ...