Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Em termos de utilização, gostava de saber se há diferença entre o verbo conseguir e poder.

Obrigada pela resposta.

Resposta:

Em termos de utilização, o verbo poder e conseguir mantêm estreitas ligações semânticas quando assumem o sentido de «ser capaz» («Não posso andar»/Não consigo andar»). Contudo, noutros contextos, um dos verbos não pode ser substituído pelo outro, porque a frase pode assumir significado diferente ou ficar incorreta.

Assim, semanticamente o verbo conseguir, segundo o Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001) remete para:

«1. Sair-se bem na busca de (um resultado um objetivo, algo por que se diligenciava), alcançar, obter, conquistar (ex. conseguimos uma vitória); 2. Ter êxito na realização de alguma ação (ex. conseguir parar o carro); 3. Encontrar alguém disposto a pagar uma certa quantia em troca de algo (ex. conseguir um bom preço pelo carro); 4. Atingir, alcançar, obter (ex. na prova que fez conseguiu um 10).»

Já o verbo poder, semanticamente, remete para:

«1. Ter a faculdade ou a possibilidade de (ex. podemos dizer a verdade); 2. Possuir força física ou moral, ter influência, valimento (ex. ele pode levantar muitos quilos); 3. Ter autorização para (ex. os menores não podem tirar a carta); 4. Ser capaz de, estar em condições de (ex. podiam estudar); 5. Correr o risco de, expor-se a (ex. se o piloto não tiver cuidado naquela curva, pode morrer); 6. Ter ocasião ou meio de, conseguir (ex. se não trancarem a jaula, o leão pode escapar); 7. Ter qualidade, paciência para (ex. está sempre com presa, nunca pode esperar); 8. Ter força, vontade ou energia moral para (ex. não puderam esconder a vergonha que os dominou); 9. Ter autoridade moral para; ter motivo, a r...

Pergunta:

Gostaria de saber se existe alguma lista de locuções. Caso exista, podem-me indicar onde a posso encontrar? Porque estou com algumas dificuldades em saber se estou perante locuções ou simples complementos circunstanciais...

Como por exemplo: em «por força da lei», a expressão «por força» é uma locução?

Ou ainda: na frase «culpados à lupa», «à lupa» é uma locução?

Seria esperado que os dicionários tivessem essa indicação?

Agradeço muitíssimo a vossa atenção.

Resposta:

Pegando nos exemplos apresentados pela consulente, (i) «por força da lei» ou (ii) «culpados à lupa» incluem efetivamente locuções, mais concretamente, locuções adverbiais: «por força» e «à lupa». Estas locuções são expressões com a mesma função dos advérbios, e a sua estrutura interna pode integrar os seguintes elementos: preposição seguida de substantivo ou adjetivo (ex.: «à alentejana»); preposição seguida de advérbio (ex.: «a bem»); dois advérbios (ex.: «agora mesmo»); dois advérbios e/ou preposições (ex.: «antes de mais»); dois nomes e/ou preposições (ex.: «ao fim e ao cabo») – combinações que podem incluir um advérbio com um nome ou um adjetivo ou um artigo ou, ainda, um pronome indefinido (ex.: «acima de tudo»). Assim, verificamos que nos exemplos apresentados temos em (i) uma preposição por seguida de um substantivo força e em (ii) à, que deriva da contração do artigo a com a preposição a, seguida de um substantivo, lupa.

Assinale-se que, quando se fala em locuções, tem de se ter em consideração que estas podem ser: adjetivas (ex. «da cor do mar», «de ouro»), adverbiais (ex.: «com cuidado», «às pressas»), conjuntivas (ex.: «posto que», «desde que»), interjetivas (ex.: «ora, bolas», «valha-me Deus»), prepositivas (ex.: «em cima de», «depois de»), substantivas (ex.: «estrada de ferro», «casa de saúde»), verbais (conjunções perifrásticas), conjuncionais coordenativas copulativas (ex.: «não só… mas também», «tanto… como»), conjuncionais coordenativas adversativas (ex.: «no entanto», «não obstante»), conjuncionais coordenativas disjuntivas (ex.: «ou… ou», «nem… nem»), conjuncionais coordenativas conclusivas (ex.: «por consequência», «por conseguinte»), conjuncionais subordinativas temporais (ex.: «antes que», «depois que»), conjuncionais subordinativas causa...

Pergunta:

Diz-se «dar os parabéns», ou «cantar parabéns»?

Resposta:

Expressões como «dar os parabéns» e «cantar os parabéns» têm significados diferentes.

Enquanto «dar os parabéns» é o ato e felicitar uma pessoa, «cantar os parabéns» significa expressar-se vocalmente por meio de frases melódicas, congratulando o ouvinte.

No primeiro caso, temos ocorrência do verbo dar que faz de verbo suporte, constituindo, com o seu objeto direto, um todo semântico, neste caso com os significados de «parabenizar», «felicitar», «congratular-se consigo mesmo ou com alguém». Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), a definição do sentido do verbo dar depende dos substantivos que com ele ocorrem na posição de objeto, tornando o número de aceções enorme.

No segundo caso, a ocorrência do verbo cantar surge com o significado da sua aceção geral, ou seja, «fazer ruído contínuo e cadenciado; executar cantando uma peça de música; soltar a voz para exprimir determinado sentimento». Não obstante, a expressão «cantar os parabéns» remete imediatamente para a típica canção de aniversário que se costuma cantar nessa situação.

Pergunta:

Gostaria um esclarecimento em relação ao uso dos verbos ser e estar para localizar lugares. Quando devo usar ser e quando estar?

O que é o correto:

1) «O gabinete do diretor é ao lado da sala de reuniões», ou «O gabinete do diretor está ao lado da sala de reuniões»?

2) «O elevador está ao lado da recepção», ou «O elevador é ao lado da recepção»?

3) «A escola de Paulo é em Coimbra», ou «A escola de Paulo está em Coimbra»?

E aproveitando o ensejo... É a mesma coisa dizer «ao lado da» e «do lado da sala de reuniões»?

Muito obrigado!

Resposta:

O verbo ser é um verbo copulativo que pode também ser usado para localizações. Assim, segundo o Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), o verbo ser permite a localização no espaço, com o sentido de «ter/ocupar lugar, estar, ficar». No entanto, também o verbo estar tem essa função de localização espacial, uma vez que acompanhado de expressão locativa denota a situação de algo no espaço. Na maioria das aceções, estar conserva um estado situado num tempo determinado, e não fixo.

Nos exemplos apresentados, ambos os verbos estão corretamente aplicados.

1. «O gabinete do diretor é ao lado da sala de reuniões.»

2. «O gabinete do diretor está ao lado da sala de reuniões.»

Verificamos que, em 1, o verbo ser surge como sinónimo de ficar, tal como o verbo estar. No entanto, o verbo ser supõe uma localização fixa, ao contrário do verbo estar, que pode sugerir uma capacidade de mudança de localização, como as pessoas. Exemplificando: ao perguntar «Onde está o João?», o verbo estar assume o significado de «ficar», mas, enquanto ser humano, o João tem a capacidade de se deslocar, podendo estar em variados lugares, ao contrário de um edifício.

Vejamos outros exemplos:

3. «Onde é a tua casa?»

4. «Onde está a tua casa?»

A frase 3 é a forma mais corrente de referir a localização de um lugar, de um edifício ou de uma morada, a qual se pressupõe ser fixa e estável. Em 4, dize...

Pergunta:

Sobre os usos das palavras médio e meio, gostaria de saber o maior número de casos possíveis com o objeto de não me enganar.

Muito obrigada.

Resposta:

Embora remontem ao mesmo étimo latino (medius, usado como substantivo e adjetivo), as formas meio e médio são palavras divergentes que também contrastam semanticamente. A palavra meio é usada essencialmente como numeral fracionário («um meio»), substantivo («chegou ao meio da sala»), advérbio («está meio cansada»), enquanto médio se usa sobretudo como adjetivo («uma casa média»). Pode dizer-se que meio alude sempre a uma quantificação e à noção de «metade», enquanto médio remete para as dimensões de objetos ou outras realidades, nem pequenos nem grandes («o preço médio») ou a um valor central numa escala de avaliação («velocidade média», «temperatura média»). Estas palavras podem parecer convergir sempre que usadas como adjetivo, no sentido em que remetem para uma posição central, como acontece no caso da sinonímia entre  «meia altura» e «altura média» (Cf. Dicionário Houaiss). Mesmo assim, nota-se que a expressão «altura média» se aplica justamente em referência às dimensões de alguém ou alguma coisa, atribuindo-se a «meia altura» o significado de «a meio da altura total de um corpo ou um volume», ou seja, relativamente a uma fração de um dado valor. São estas as concluões que se podem retirar do confronto de meio com médio, conforme as definições das respetivas entradas no Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001):

meio

«Numeral 1. Que ou o que é duas vezes menor que a unidade;

Substantivo masculino 2. Parte de uma coisa equidistante de seus bordos, do seu princípio e fim, de suas extremidades; metade. Ex.: "o meio de um capítulo"; 3. O centro de um espaço; lugar que dista igualmente de todos os pontos...