Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A frase «Não se pode fumar aqui».

Gostava de saber:

1) Se o sujeito é indeterminado.

2) Qual é a função de se.

3) Se a frase tem a forma plural, nomeadamente: «Não se "podem" fumar aqui.»

Obrigada pela resposta.

Resposta:

Na frase apresentada pela consulente, «Não se pode fumar aqui», se é marca de indeterminação do sujeito, uma vez que o verbo fumar é usado intransitivamente. O pronome é interpretado referencialmente como representando as pessoas em geral (sendo «não se pode fumar aqui» substituível por «ninguém pode fumar aqui»). Quanto à ocorrência da frase no plural, «não se podem fumar aqui», a frase é agramatical, porque, com se como sujeito indeterminado, a concordância verbal é sempre no singular.

Note-se que o verbo fumar também se usa transitivamente: «Incomoda-me que fumes cigarrilha» (Dicionário Gramatical de Verbos, 2007). Neste caso, se pode estar associado a duas construções diferentes: a de pronome se apassivante, que admite a concordância do verbo com um grupo nominal com a função de sujeito (daí o plural em «não se fumam cigarros aqui»); e a já referida, de se como sujeito indeterminado («não se fuma cigarros aqui»), construção condenada pelos gramáticos mais tradicionalistas quando se trata de empregar um verbo transitivo.

Pergunta:

Diz-se «em tempos idos», ou «nos tempos idos»?

Resposta:

A expressão corrente em português, atestada por António Nogueira dos Santos em Português – Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006), é «em tempos idos». São duas as entradas que podemos encontrar para esta expressão fixa – «em tempos» (ou «em tempos que já lá vão») e «em tempos idos», ambas com o significado de «num passado distante». Verificamos, portanto, que não existe nenhuma ocorrência da expressão «nos tempos idos», pelo que a ausência de artigo definido se explica pela razão de estas expressões se terem fixado assim mesmo.

Por expressão fixa, entende-se uma expressão constituída por mais do que uma palavra, cujo significado não pode ser inferido a partir do significado das partes que o constituem. Nelas, os elementos constitutivos são distribucionalmente fixos, ou seja, têm pouca flexibilidade para sofrer alterações, como o caso de «em tempos idos» ilustra bem.

Pergunta:

A minha dúvida é a seguinte: utiliza-se «ingressar a», ou «ingressar na»?

Obrigada.

Resposta:

O verbo ingressar, significando «entrar», «passar a fazer parte de algo», só admite como complemento um sintagma preposicional tendo por regente a preposição em. Neste caso, o correto é dizer «ingressar na» (preposição em + artigo definido a = na). Vejamos dois exemplos:

i) «Eu ingressei na faculdade.»

ii) *«Eu ingressei a faculdade.»

Verificamos nos exemplos que a frase ii) não está correta e causa estranheza (o * assinala agramaticalidade).

Pergunta:

"Fisioterapia" ou "fisioterápia"?

Maria João Oliveira

Resposta:

Em português a grafia da palavra em questão é fisioterapia. É uma palavra paroxítona ou grave, ou seja, a sílaba tónica é a penúltima (-pi-), e não leva acento.

Esta palavra é um composto morfológico resultando da associação do radical de origem grega fisio-, que exprime a noção de natureza ou de função orgânica, e da palavra terapia, que corresponde ao tratamento de doenças. Desta forma, num todo, fisioterapia é o sistema terapêutico que emprega recursos da natureza, massagens e exercícios físicos.

A confusão do consulente talvez se prenda com o facto de “terápia” ser o resultado de oscilações existentes na acentuação de palavras e elementos de composição de origem grega. Verifica-se, efetivamente, que alguns termos de origem grega terminados em –ia são adaptados ao latim, com recuo do acento tónico. Exemplo disso é a palavra farmácia que, segundo o Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), é a adaptação do latim tardio pharmacĭa, ae, «arte de preparar medicamentos», palavra proparoxítona, com acento tónico na sílaba -ma-; esta forma latina provém do grego pharmakeía, com acento tónico em -kei, correspondente a -ci- em latim e a -ci- em português. É de assinalar, contudo, que a forma assumida pela palavra portuguesa  farmácia, e não "farmacia", uma vez que esta adaptação direta do grego não se fixou no uso correto. Por analogia com farmácia, poderia pensar-se que o substantivo em apreço fosse "terápia". Porém, neste caso concreto, terapia mantém o acento na penúltima sílaba de acordo com o ser étimo grego therapeía, as.

Pergunta:

Em Almeida encontrei a Rua dos Combatentes Mortos pela Pátria. Pelo que vi na Net, existem em Portugal outros locais ou monumentos com nomes semalhantes. A minha dúvida é a seguinte: O referido nome da rua de Almeida está correcto, ou deveria ser Rua dos Combatentes Que Morreram pela Pátria? Como está parece significar que Pátria foi assassina e não que que os sodados morreram defendendo a Pátria.

Agradeço, desde já, o vosso esclarecimento.

Resposta:

O consulente sugere que a toponímia da rua em questão só é analisável como uma estrutura passiva – daí ressaltar a «Pátria assassina». No entanto, deve encarar-se morto como um particípio usado adjetivalmente, visto que o particípio curto do verbo morrer aparece como atributo do substantivo combatentes, adjetivando-o. Nesta sequência, «pela Pátria» não é o agente da passiva mas, sim, um modificador que desempenha a função sintática de qualificar os «combatentes mortos» exprimindo benefício («em benefício», «a favor de»).

Exclui-se assim a hipótese de que a frase possa estar na passiva, legitimando a nossa análise alternativa no conhecimento dos falantes. Agregado ao conhecimento que os falantes têm da história de Portugal, o nome passa a ter o sentido que lhe foi atribuído, explicitando que os combatentes morreram, lutando pela defesa da Pátria.

É importante ressaltar que a toponímia das ruas deve ser breve mas com um sentido lato e objetivo de compreensão das palavras, apesar de esta expressão surgir noutras circunstâncias, nomeadamente em monumentos.