Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho uma dúvida com a palavra arrasante. Existe?

Agradeço a vossa resposta.

Resposta:

A palavra arrasante vem registada nos dicionários gerais da língua portuguesa. Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001), a palavra vem registada como adjetivo de dois géneros que se refere ao «que arrasa, que provoca um arrasamento; arrasador». Também o Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora (em linha) regista a palavra como adjetivo de dois géneros, aplicável àquilo que «que arrasa; [que é] muito cansativo, desgastante». Das definições expostas, conclui-se que o adjetivo em questão e o adjetivo arrasador são sinónimos. Dizer «a exposição oral foi arrasante» ou «a exposição oral foi arrasadora» é, portanto, a mesma coisa, embora seja mais comum usar-se o adjetivo arrasador.

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a forma correta (ou se as duas o são): «direcionado a», ou «direcionado para»? Se ambas são válidas, o uso de uma ou outra é indiferente?

Muito obrigado.

Resposta:

Ambas as formas apresentadas – «direcionado a» e «direcionado para» – são válidas.

Com o significado de «conferir direção, rumo, orientação a; dirigir, apontar; concentrar (atenção, esforços etc.) em» (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), o verbo direcionar vem geralmente acompanhado da preposição para (cf. abonações, ibidem), mas no uso literário e não literário também ocorre frequentemente a proposição a (cf. Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira). O mesmo se pode dizer do particípio passado direcionado, que aparece associado quer a para quer à preposição a.

Observe-se, porém, que, na perspetiva da norma de Portugal, considera-se que o verbo direcionar é muitas vezes supérfluo, sobretudo quando significa «destinado (a alguém/alguma coisa/algum lugar)1, dado o léxico já dispor do verbo dirigir, que tem uso significativo nessa aceção e constrói regência com a preposição a. Por exemplo, em vez de se dizer/escrever «direcionamos o trabalho de geoprocessamento às empresas que precisam de dados sobre sua clientela» (exemplo do Corpus do Português), prefere-se outra formulação: «dirigimos o trabalho de geoprocessamento às empresas que precisam de dados sobre sua clientela».

1Efetivamente, a preposição a regida pelo verbo direcionar parece um decalque de «dirigir a», em que a marca o constituinte que representa o recebedor: «A pergunta foi direcionada ...

Pergunta:

Diz-se «munidos de», ou «munidos por/pelo/pela»?

Obrigado.

Resposta:

Diz-se «munido de».

Com o significado de «prover de munição(ões); prover com meios de defesa; fortificar» (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), o verbo munir pode não vir acompanhado de nenhuma preposição (ex.: «o rei resolveu munir o castelo»); ou pode vir acompanhado da preposição de, sendo que o significado é o de «prover(-se) do que é necessário para a realização de algo; abastecer(-se)» (idem) (ex.: «a comissão de inquérito muniu-se de provas que condenavam o suspeito»).

Quando convertido em adjetivo a partir do seu particípio passado1munido –, a regência é construída, também, com a preposição de (ex.: «ele está munido de luvas e casaco de lã»).

Note-se: nada atesta que o verbo munir tenha um complemento regido pela preposição por.

«Os particípios verbais e os adjetivos partilham um número importante de propriedades morfológicas, sintáticas e semânticas. Assim, p. e., tanto particípios como adjetivos podem ocorrer com função atributiva e em orações copulativas, em particular com os verbos ficar e estar. Nestes contextos os particípios adquirem propriedades semânticas e sintáticas que os tornam gramaticalmente semelhantes aos adjetivos. Em certos casos, esbate-se mesmo consideravelmente a distinção entre as duas classes» (Gramática do Português, pp. 1476, vol. II, Fundação Calouste Gulbenkian).

Pergunta:

Existe 4.ª conjugação verbal?

Resposta:

Há três conjugações em português, caracterizadas pela vogal temática. A 1.ª conjugação, de tema em -a-, compreende verbos como amar, saltar, brincar, etc.; a 2.ª, de tema em -e-, compreende verbos como comer, receber, dever, etc; a 3.ª, de tema em -i-, integra verbos como dormir, sorrir, partir, etc. Também os verbos irregulares, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 384) e Evanildo Bechara (Moderna Gramática do Português, 2009, p. 268), se inserem nas referidas conjugações (exemplo: 1.ª conjugação – estar; 2.ª conjugação – fazer; 3.ª conjugação – pedir), com a particularidade de apresentarem modificações no radical ou na flexão, afastando-se dos paradigmas caracterizam os verbos regulares.

No entanto, vem ao encontro da questão da consulente a ideia de certos gramáticos que consideram que o verbo pôr e seus derivados se incluem numa 4.ª conjugação devido à terminação irregular do infinitivo destes verbos, em -or (Cunha e Cintra 1984, p. 430). Mas, ainda assim, Cunha e Cintra (idem, p. 430) e Bechara (idem, p. 268) contrariam esta perspetiva, ao esclarecerem que o verbo pôr, do antigo poer, é um verbo de 2.ª conjugação cuja vogal temática -e- desapareceu no infinitivo impessoal, mas permanece noutras formas do verbo: pus-e-ste, pus-e-mos, pus-e-sse, etc.

Pergunta:

Qual é o processo de formação do verbo amolecer?

Resposta:

O verbo amolecer é formado por parassíntese, tendo um prefixo (a-) e um sufixo (-cer). Estes sufixo e prefixo associam-se à palavra da qual o verbo deriva, mole, formando, assim, o verbo em questão (a + mole + cer). Em suma, este verbo é derivado simultaneamente por prefixação e sufixação.