Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Devo colocar hífen entre as palavras «acrômio clavicular»?

Resposta:

Segundo os vocabulários ortográficos da Porto Editora e da Academia Brasileira de Letras1, a ortografia deste adjetivo de dois géneros é sem hífen: acromioclavicular. A palavra está registada no Dicionário de Termos Médicos (em linha) e no Dicionário Eletrônico Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001) e é um composto morfológico etimologicamente híbrido, porque constituído por um radical de origem grega – acromi(o), «do gr. akrômion, ou "parte superior do ombro, cume da espádua"» (Houaiss) – e pelo adjetivo clavicular – de clavícula, do «latim clavicŭla, ae, literalmente "chave pequena", no latim medieval termo de anatomia, diminutivo de clāvis, is, "chave"» (idem) + -ar, sufixo adjetival. Semanticamente, a palavra refere-se «à articulação do acrômio com a clavícula» (Dicionário Eletrônico Houaiss).

O termo em apreço não é registado no Vocabulário Ortográfico do Português (ILTEC) nem no Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa (Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Nas traduções que revejo encontro com frequência a construção «incluindo + preposição» ou «incluindo + locução preposicional» («incluindo sobre», «incluindo em termos de», etc.). O meu reflexo sistemático é substituir o gerúndio pelo advérbio de modo (inclusivamente ou inclusive), por me parecer que incluindo deve ser seguido de substantivo («os livros, incluindo os dicionários»; «as plantas, incluindo as ervas daninhas»), mas não encontro nas gramáticas argumentos para justificar a minha opção. Faço bem em proscrever a referida construção gramatical?

Desde já obrigada.

Resposta:

O verbo incluir, quando significa «conter em si; compreender, conter, abranger» (Dicionário Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), ocorre com complemento direto; p. ex.: «A coleção inclui obras de diferentes épocas.» Sendo assim, mesmo que se use no gerúndio, o verbo mantém as suas propriedades sintáticas, isto é, deve ser seguido de uma expressão nominal com a função de complemento direto: «A coleção tem obras de diferentes épocas, incluindo peças de arte pré-histórica.» Por outras palavras, não é possível uma sequência como «O catálogo dá informação sobre obras de diferentes épocas, incluindo sobre obras de arte pré-histórica», porque incluir, no sentido de «abranger», não tem complemento preposicional; a frase terá de ter outra formulação: «O catálogo dá informação sobre obras de diferentes épocas, incluindo pormenores sobre obras de diferentes épocas». Esta incompatibilidade com complementos preposicionais parece ser confirmada pela ausência de tal associação na escrita (por exemplo, no Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira).

Relativamente à substituição que a consulente diz fazer do gerúndio do verbo incluir pelos advérbios inclusive ou inclusivamente, esta é adequada. De facto, ambos os advérbios têm uso preposicional equivalente ao de até, não impondo restrições ao tipo de constituinte que ocorra depois (Dicionário Houaiss): «trago-os todos, inclusive os dois amarelos» – «trago-os todos, até os dois amarelos»; «tens toda a informação, inclusivamente a da venda dos bilhetes» – «tens toda a informação, até a da venda dos bilhetes».

Pergunta:

Uma questão directa e simples:

É mais correcto usar-se a formulação «auscultação a/à», ou «auscultação de/do»?

Obrigado.

Resposta:

De acordo com o Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), o substantivo auscultação, quando se refere ao «ato de escutar os ruídos internos do organismo, para controlar o funcionamento de um órgão ou perceber uma anomalia», exige a preposição de: «a auscultação do coração».

Contudo, o Dicionário Michaelis (em linha) acrescenta que o substantivo em causa se pode referir ao ato de «examinar com atenção, inquirir, procurar conhecer, sondar». Nesta aceção, e uma vez que as fontes consultadas não assinalam uma tradição normativa que favoreça uma forma em detrimento da outra, o substantivo auscultação pode ser regido pelas preposições de e a, sem que o sentido da frase se altere:

(1) «Auscultação à juventude tem resultados positivos.»

(2) «Avançar com uma proposta que teve em conta a auscultação a todos os municípios do país.»

(3) «Após auscultação dos Estados-membros…»

(4) «A consulta não implica qualquer tipo de negociação, sendo apenas uma auscultação da opinião dos trabalhadores.»

Pergunta:

Qual das frases está correta?

«Fez-se a abordagem do texto dramático.»

«Fez-se a abordagem ao texto dramático.»

Resposta:

Ambas as frases apresentadas pela consulente estão corretas e, como podemos constatar, as preposições a e de podem substituir-se mutuamente em diversos contextos. A questão aqui prende-se com a preposição que rege a palavra abordagem em determinadas aceções.

Se abordagem se empregar como sinónimo de aproximação, a preposição que se utiliza é a (ex.: «Não tinha coragem de levar a efeito a pretendida abordagem à vizinha»). Se, por outro lado, a palavra abordagem se empregar como sinónimo de tratamento, análise, ou ponto de vista, então, nesse caso, a preposição a utilizar é de. Neste caso tomamos como exemplo o proposto pela consulente: «Ele propõe uma abordagem do texto que é muito complicada.» No entanto, neste exemplo, e tal como se disse inicialmente, a preposição de pode ser substituída pela preposição a sem que a frase veja alterado o seu sentido: «Ele propõe uma abordagem ao texto que é muito complicada.»

Pergunta:

Tenho uma dúvida acerca do determinante possessivo (nosso, seu, etc.). Escrever regularmente o determinante depois do verbo e adjetivo está incorreto? Por exemplo: «Oh, mãe minha, quanto precisas de mim!»; «O coração meu chora.»

Está totalmente incorreto e não posso utilizar, ou, não sendo o mais vulgar, posso utilizar?

Resposta:

Os exemplos que o consulente apresenta não vão ao encontro da questão que coloca, uma vez que os possessivos, nos exemplos, ocorrem depois de um substantivo e não de um verbo ou adjetivo. Se a questão for «o determinante possessivo pode ocorrer depois de um nome?», então aí a resposta é sim, pode ocorrer.

A verdade é que os determinantes possessivos, normalmente, são precedidos de um artigo definido ou de um pronome demonstrativo. Segundo o Dicionário Terminológico, «em contextos definidos, o determinante possessivo é obrigatoriamente precedido pelo artigo definido ou pelo demonstrativo» (ex.: «O meu aluno chega sempre atrasado»; «Este meu aluno chega sempre atrasado»), «exceto em contextos em que o grupo nominal em que se encontra tem a função de vocativo» (ex.: «Meu amor, vem ter comigo») «ou de modificador opositivo» (ex.: «… a D. Afonso Henriques, D. Sancho I, seu filho primogénito, sucedeu-lhe»). Pode ainda ocorrer, nestes mesmos contextos definidos, depois de alguns quantificadores (ex.: «todos [estes] meus alunos chegam atrasados»).

No entanto, se o contexto em que o determinante possessivo ocorre for indefinido, a sua posição, na frase, é pós-nominal (ex.: «Uma tia minha vai casar»). Esta posição pós-nominal do determinante possessivo, se o sintagma nominal tiver o estatuto de indefinido, é muito comum encontrar-se na literatura portuguesa. Exemplo disso é um verso de um poema de Camões: «alma minha gentil que te partiste».