Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
103K

Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Pan-citopenia, ou pancitopenia?

Resposta:

A grafia da palavra em questão é pancitopenia1. Esta palavra é um composto morfológico resultando da associação do radical de origem grega pan-, que exprime a noção de «tudo» ou «todos» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. 1984, P. 111], à palavra citopenia, que designa uma «diminuição das células sanguíneas» (Dicionário de Termos Médicos, Porto Editora, em linha). Num todo, pancitopenia é a «diminuição do número de todos os elementos figurados do sangue (hemácias, leucócitos, plaquetas), ou o estado orgânico assim caracterizado; pan-hematopenia» (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001).

Em suma, constatamos que esta palavra, tal como muitas palavras associadas às ciências, é formada pelo modelo de composição greco-latina, «que consistia em associar dois termos, o primeiro dos quais servia de determinante do segundo» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. 1984, p. 109).

1O prefixo de origem grega pan- só é seguido de hífen se a palavra a que se associa começar por vogal, h, m ou n: pan-africano, pan-helénico, pan-mágico, pan-negritude (Acordo Ortográfico de 1990, Base XVI 1 c); ver também Acordo Ortográfico de 1945, Base XXIX, 11.º). O caso de

Pergunta:

Como se diz?

«Estou com ele», ou «estou mais ele»?

Resposta:

Na frase «Estou com o João», «com o João» é o complemento circunstancial de companhia. Efetivamente, para indicar companhia, a construção frásica utilizada no português-padrão é verbo + preposição, neste caso, estar + com. No entanto, é comum ouvir-se «estou mais o João», construção própria do português informal que leva a não podermos assumi-la como errada. Nesta frase, em que temos uma construção de verbo + advérbio, «estar mais», o advérbio assume-se como sinónimo de com.

Pergunta:

A expressão idiomática «andar à torrina do sol» é muito utilizada no Alentejo, particularmente no nordeste alentejano.

No entanto, a palavra torrina está ausente dos dicionários de língua portuguesa (pelo menos nos inúmeros que consultei).

Gostaria de saber se devo excluí-la da minha linguagem escrita por ser incorrecta, ou se se trata apenas duma falha dos nossos dicionários.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra torrina parece ser um regionalismo que, como indica, estará presente no vocabulário do nordeste alentejano. No entanto, nos dicionários de que dispomos, nomeadamente no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, e no Dicionário de Falares do Alentejode Vítor Fernando BarrosLourivaldo Martins Guerreiro, não encontramos atestação da mesma. Sugerimos que torrina se tenha formado a partir da palavra tórrido, «quente em excesso; ardente» (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001), uma vez que a expressão «andar à torrina do sol» pressupõe «andar ao sol num dia tórrido/de muito calor».

Observe-se que os dicionários gerais nem sempre registam os regionalismos, o que não quer dizer que estes estejam incorretos. Deve é ter-se em atenção que eles raramente têm cabimento em certos registos, por exemplo, nos mais formais ou especializados.

Pergunta:

Gostaria de saber, se possível, a origem do nome (apelido) Calisto.

Resposta:

Segundo o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (Lisboa, Livros Horizonte, 2003), e o dicionário da Porto Editora (em linha), o nome Calisto, que hoje é nome próprio e apelido (ou sobrenome), formou-se a partir do grego Kállistos, literalmente «muito belo». O nome grego chegou ao português por via latina sob a forma Callistus.

Forma igual em português tem o nome de uma figura da mitologia grega, a ninfa Calisto, que não tem exatamente a mesma origem, porque provém do grego Kallistō por intermédio do latim Callisto, -us

Pergunta:

Peço informação sobre a utilização de miscigenar versus miscenizar. Será esta última incorreta?

Obrigada.

Resposta:

Encontramos dicionarizada apenas a palavra miscigenar, com o significado de «cruzar ou cruzarem-se raças, produzindo mestiços; misturar ou misturarem-se elementos distintos ou de espécies diferentes, produzindo híbridos» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, em linha). A palavra “miscenizar” está, portanto, incorreta, sendo deturpação de miscigenar, provavelmente por via de uma forma alternativa, miscigenizar, que não se atesta nos dicionários consultados para elaboração desta resposta.

Miscigenar é um verbo depreendido de miscigenação, conforme nota etimológica do Dicionário Eletrônico Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001): «ing. miscegenation (1864) "mistura de raças", (1927) "casamento ou coabitação entre uma pessoa branca e uma de outra raça", formado do rad. do v. lat. misc­­ēre, "misturar, juntar" + genus, "raça" + suf. -ation, do qual se depreende o v. miscigenar e der.»