Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Relativamente ao enunciado «Assim é que há de dizer para se esquivar de dar o lombo ao abade!», as soluções de um manual apresentam-no como ato ilocutório declarativo. Parece-me que o ato ilocutório direto é assertivo e o indireto é diretivo, ou estarei a ter um raciocínio errado?

Obrigado.

Resposta:

Consideramos que o enunciado «Assim é que há de dizer para se esquivar de dar o lombo ao abade!» corresponde a um ato assertivo direto, em que o «locutor compromete a sua responsabilidade sobre a existência de um estado de coisas e sobre a verdade da proposição anunciada» (Dicionário Terminológico). Indiretamente, o locutor realiza um ato diretivo indireto, projetando uma asserção do futuro ao usar «há de» – o verbo haver seguido da preposição de serve para construir a forma composta ou perifrástica de futuro.

Ora, para considerarmos este enunciado um ato ilocutório declarativo, como é sugerido nas soluções do manual consultado pela consulente, «o locutor, mediante a realização com êxito do seu ato de fala», iria modificar «o estado de coisas do mundo ou criar um novo estado de coisas (batismos, casamentos, nomeações, demissões, condenações, etc.)» (idem), e a realidade é que não estamos perante esse caso.

Pergunta:

A frase «eu encontrei você» está correta? Um pronome de tratamento pode ser usado como objeto direto para evitar ambiguidade?

Resposta:

Apesar de se ouvir com alguma frequência em registo informal expressões como «eu encontrei você», a verdade é que em Portugal esta construção é incorreta. O correto é dizer «eu encontrei-o/a», como frase declarativa simples, sendo que o pronome pessoal átono o/a corresponde ao pronome pessoal você.

Note-se porém que, no mesmo contexto, o português do Brasil (PB) aceita «eu encontrei você», ou seja, atribuindo a você a função de complemento direto, como observam Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (3.ª edição, p. 294):

«As formas você (no Brasil) e o senhor, a senhora (tanto em Portugal como no Brasil) estendem-se também às funções de objeto (direto ou indireto), substituindo com frequência as correspondentes átonas o, a e lhe:

– Há uma hora estou esperando você sozinha, neste escritório. (C. dos Anjos, DR, 32.)

– Devo a você e ao doutor Rodrigo. (J. Amado, MM, 229.)

- Eu aprecio muito o senhor e era incapaz de ofendê-lo voluntariamente. (R.M. F. de Andrade, V, 124).»

Pergunta:

Caros amigos, dentro de uma freguesia existem "lugares" ou "localidades"? Aprendi a dizer «lugares», pois localidade parece-me ser uma expressão mais abrangente e geral, mas agora ouço alguns a dizerem «localidades», para se referirem a divisões (não oficiais) de uma freguesia.

Podem ajudar-me? Desde já agradeço.

Resposta:

Enquanto localidade é palavra de significado genérico, não especializado, lugar pode ser usado quer em linguagem corrente quer como termo da linguagem administrativa.

Localidade é termo de sentido genérico que pode englobar uma cidade, uma vila, uma aldeia ou um simples lugar. Já por lugar entende-se um aglomerado populacional com poucas habitações, ou seja, menor que uma aldeia, que, com outras localidades, se insere numa freguesia. É essa a noção que muitas juntas de freguesia deixam transparecer nas páginas que mantêm na Internet; por exemplo, o sítio da freguesia de Valongo do Vouga identifica os lugares que fazem parte dessa divisão administrativa, nomeadamente o lugar da Aguieira, o lugar da Aldeia, o lugar do Outeiro, etc. Refira-se que, na perspetiva de um discurso mais especializado, o Instituto Nacional de Estatística (INE) de Portugal não inclui o termo localidade entre os conceitos inventariados pelo seu sistema de metainformação, mas regista lugar como «[a]glomerado populacional com dez ou mais alojamentos destinados à habitação de pessoas e com uma designação própria, independentemente de pertencer a uma ou mais freguesias».

Pergunta:

Um aluno perguntou-me se podíamos dizer: «A quem é que ele vai buscar?» Eu respondi-lhe que não, que devíamos dizer: «Quem é que ele vai buscar?»; mas não soube explicar o motivo. Nas frases interrogativas parciais, os interrogativos podem ser precedidos de diferentes preposições. Exemplo: «De quem é este livro?»; «Para quem é o chocolate?»; «Com quem vais à rua?» Como posso explicar a não utilização da preposição a? O futuro próximo «vai buscar» não pede preposição.

Na frase «A quem é que ele leva o presente?», a preposição é pedida pelo verbo levar («levar algo a alguém»). Seria possível esclarerem-me o uso destas preposições?

Obrigada.

Resposta:

Nas frases «Quem é que ele vai buscar?» e «A quem é que ele leva o presente», ocorre o pronome interrogativo quem. O uso da preposição antes de pronomes interrogativos ou a ausência da mesma deve-se à função sintática que eles tenham na frase onde surge. Na frase «A quem é que ele leva o presente?», o constituinte «a quem» tem a função de complemento indireto. Já na frase «Quem é que ele vai buscar?», o pronome interrogativo quem tem a função sintática de complemento direto, que geralmente não é introduzido por preposição. Este mesmo pronome, quando não é antecedido por qualquer preposição, pode ainda desempenhar a função de sujeito: «Quem chegou atrasado?»

Pergunta:

O nome da cidade de Beja vem do árabe?

Resposta:

O nome da cidade de Beja vem do latim Pace (de Pax Iulia). No entanto, o nome foi transmitido através do árabe Baja, o que justifica o facto de se escrever com [b] e não com [p] da forma original latina. Recorde-se que em árabe apenas existe uma consoante bilabial, que é [b].