Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Sou da República da Guiana, que não é a francesa, nem a holandesa; mas a inglesa. O que devo dizer aos portugueses para que saibam que sou da Guiana que não é a francesa nem a holandesa? Como se pronuncia o nome da minha pátria de forma culta e qual o gentilício?

Obrigado.

Resposta:

Talvez o mais fácil seja referir o nome oficial do país, neste caso República Cooperativa da Guiana (conforme o Código de Redação Interinstitucional para o uso do português nas instituições europeias), para que se entenda que se refere à ex-colónia inglesa. Relativamente à pronúncia de Guiana, nome do país, a grafia deste corresponde à articulação do u, formando este ditongo com o i (ui), tal como no nome próprio Rui.1 Por fim, o gentílico usado é guianês ou guianense (guianeses ou guianenses, no plural).

Observe-se que guianês é exatamente igual ao gentílico da Guiana Francesa, cujos naturais e habitantes são também referidos como guianeses. Segundo o referido Código de Redação Interinstitucional, para distinguir um guianês "inglês" de um guianês "francês", é necessário especificar ou substituir o gentílico por meio, respetivamente, das expressões «da República Cooperativa da Guiana» (para simplificar, Guiana) e «da Guiana Francesa» (apesar de, do ponto de vista francês, dizer-se simplesmente Guiana).2

Não parece, portanto, haver uma maneira que, à partida, garanta a perfeita identificação da nacionalidade de quem se diz guianês. No caso em apreço, deverá dizer-se guianês, mais precisamente, um «guianês da Guiana», ou melhor, um «guianês da República da Guiana». Mesmo assim, é de prever a necessidade de explicar que se trata de alguém que é natural da Guiana, um Estado independente que já foi colónia britânica.

Pergunta:

É correto dizer-se "aconfessional" como o contrário de confessional?

Resposta:

No Dicionário Houaiss (2001) o substantivo aconfessional está atestado como o «contrário a qualquer confissão ou crença religiosa; que não envolve confissão». Assim, o adjetivo aconfessional é antónimo de confessional.

Acrescente-se que o substantivo é um derivado prefixal: à sua forma-base – confessional – acrescenta-se o prefixo de origem grega a-, prefixo este que tem sentido de privação, negação. 

Pergunta:

Deve escrever-se «Este é um dos motivos pelos quais sou como sou» ou «Este é um dos motivos pelo qual sou como sou»?

Obrigado.

Resposta:

A frase «Este é um dos motivos pelos quais sou como sou» é mais correta que «Este é um dos motivos pelo qual sou como sou».

Na formulação da frase em causa, o antecedente do pronome relativo não é «um (de)», mas, sim, «os motivos», que está no plural; logo, o pronome relativo «o qual», que é variável, terá também de passar ao plural. Por outras palavras, pretende-se comunicar o seguinte conteúdo:

1. Vários são os motivos pelos quais sou como sou. Este é um deles.

Em (1), pode ainda verificar-se que que o pronome pessoal eles retoma semanticamente toda a sequência constituída por «os motivos pelos quais sou como sou», sem deixar de fora a oração relativa (seriam agramaticais sequências como «este é um deles pelo qual sou como sou» ou «este é um deles pelos quais sou como sou»). Tal significa que a oração relativa se subordina a «os motivos» e não a «um (de...)». Do ponto de vista semântico, pelos quais especifica o universo dos motivos, e só posteriormente é selecionada, dentro do referido universo de motivos, «o motivo» que se pretende salientar, facto que fica desde logo claro com a utilização da palavra um.

Contudo, o pronome relativo «o qual» pode concordar com «um», como a seguir se apresenta:

2.  Este é um dos motivos, pelo qual sou como sou.

Em (2), o pronome «o qual» faz parte de um grupo preposicional, tem como antecedente «um», que é núcleo da expressão «um dos motivos», e introduz uma oração explicativa. Esta possibilidade, que, na escrita, é marcada pela vírgula que separa a oração relativa do seu elemento subordinante, fica mais clara contextualizando devidamente a frase 2, como se faz no exemplo adiante:

Pergunta:

Gostaria de saber se, na expressão «Conferência em Glândulas Salivares» (relativamente a um evento científico, tipo congresso), é adequado utilizar-se a preposição em (ou, porventura, se seria preferível outras, como de ou sobre).

Grato.

Resposta:

Na frase em apreço, o uso da preposição em não se adequa, pois supõe que a conferência se realiza nas glândulas salivares. Por isso, é preferível utilizar a preposição sobre se nos quisermos referir ao teor da conferência (Conferência sobre Glândulas Salivares).

A preposição em introduz, segundo o Dicionário da Porto Editora (na Infopédia),  expressões que designam: lugar (em casa), tempo (em agosto), modo ou meio (em silêncio, em dinheiro), estado (em lágrimas) e proporção (três em cinco). Esta mesma fonte refere também que a preposição em ocorre em expressões que designam matéria, como por exemplo anel em ouro. No entanto, este uso é rejeitado pela gramática normativa, que determina que, em referência à matéria de que é feita qualquer objeto, se deve empregar a preposição de. Assim, anel de ouro seria, tradicionalmente, a forma correta. 

Pergunta:

Tento seguir o acordo ortográfico o melhor que posso, mas parece que as mudanças acontecem mais rapidamente do que eu consigo aprendê-lo. Li hoje no Correio da Manhã a palavra "intercetar"; eu ainda utilizo a palavra "interceptar". Qual é a forma correta? É opcional utilizar qualquer uma das formas? Segundo me apercebi, o Correio da Manhã só utiliza a palavra "intercetar".

Resposta:

O verbo intercetar foi uma das palavras afetadas pelo novo Acordo Ortográfico (AO); ou seja, tendo em conta a antiga forma usada em Portugal, "interceptar", a letra p  é suprimida, por não ter correspondência na pronúncia da generalidade dos falantes portugueses. Apesar de existirem termos que ficaram, no novo AO, com dupla grafia, em consequência de poderem as consoantes ser ou não pronunciadas (p.e. caráter/carácter), o mesmo não se aplica à palavra em apreço.

Note-se ainda que há palavras cuja consoante p, seguida de outra consoante (c ou p), não foi suprimida por não ser, efetivamente, muda, como é o caso de helicóptero.