Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Não estará errada a expressão «tão negro como o...»? O correcto não será «tão negro quanto o...»?

Obrigado.

 

[N.E. – O consulente grafa correcto, conforme a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. A forma atual é correto.]

Resposta:

As construções «tão... como» e «tão.. quanto» são sinónimas e usadas na formação do grau comparativo de igualdade (Cunha, Celso e Cintra, Lindley, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa, Sá da Costa, 2001, p. 257). Exemplos:

1. O meu humor é tão negro como o do meu amigo;

2. O meu humor é tão negro quanto o do meu amigo.

Note-se que também é possível usar o advérbio quão, como sinónimo de como  quanto:

«Em linguagem muito literária pode empregar-se como segundo termo de comparação a forma contraída de quanto, quão, quando se comparam duas ou mais qualidades de uma ou várias pessoas ou coisas:

Maria é tão bonita quão simpática

A sala estava adornada tão rica quão formosamente

Esta rapariga é tão trabalhadora quanto o marido é preguiçoso»

Chico Buarque, Prémio Camões 2019
Distinção pela sua obra literária e como escritor de canções

Prémio Camões  de 2019 foi atribuído ao compositor e escritor brasileiro Francisco Buarque de Hollanda, em reconhecimento – segundo o júri da 31.ª edição do mais importante  galardão literário em língua portuguesa –  da sua obra literária

Pergunta:

O verbo optar pode ter voz passiva, conjugação reflexa e conjugação pronominal?

«Foi optado», «optou-se», «optámo-lo», são formas corretas?

Resposta:

O verbo optar não costuma ser utilizado em construções passivas, porque pede não um complemento direto, mas sim um complemento oblíquo1, que não permite essas construções. Pelo mesmo motivo, não se associa geralmente a pronomes átonos, ou seja, com construções pronominais; assim, «optámo-lo» é uma construção estranha ou mesmo agramatical. Contudo, a construção com pronome reflexo é possível, sendo que o se em optou-se é a marca de sujeito indeterminado («alguém optou»). 

1 Note-se que o verbo na maioria dos dicionários é classificado como transitivo indireto porque pede complemento oblíquo. No entanto, atestam-se usos do verbo optar enquanto verbo transitivo direto, isto é, seguido de complemento direto. Veja-se o seguinte exemplo retirado do dicionário Novo Aurélio: «Ante as condições desonrosas de paz, optaram a continuação da batalha.» Percebemos que o grupo «a continuação da batalha» é classificado como complemento direto do verbo optar e, por isso mesmo, substituível pelo pronome átono – «optaram-na». Este facto parece contrariar o que se afirma na resposta, mas o que se verifica é que estas construções com o complemento direto são extremamente raras e forçadas, atendendo ao atual uso do verbo, que é, sobretudo, transitivo indiret...

Pergunta:

Na frase «valeu a pena lutar», qual é a modalidade presente?

Resposta:

Em «valeu a pena lutar» está presente a modalidade apreciativa.

Entende-se por modalidade apreciativa a «categoria gramatical que exprime a atitude do locutor face a um enunciado ou aos participantes do discurso. A modalidade permite expressar apreciação sobre o conteúdo de um enunciado» (Dicionário Terminológico). No caso em apreço, a apreciação em causa é «valeu a pena». Veja-se outros exemplos semelhantes a este: «Felizmente, está a chover», «lamento que tenhas reprovado» e «francamente, esta situação não é clara».

Pergunta:

De acordo com a gramática tradicional, os verbos transitivos diretos e os verbos transitivos diretos e indiretos seriam os únicos a aceitar a transposição da voz ativa para a voz passiva. Portanto, a voz passiva sintética seria formada por um desses verbos mais a partícula apassivadora se. Os demais verbos transitivos indiretos, verbos intransitivos e verbos de ligação – quando acompanhados do índice de indeterminação do sujeito, também representado pelo pronome se - permaneceriam na 3.ª pessoa do singular já que o sujeito é indeterminado nesse caso.

Gostaria de saber como se classificaria o pronome se na seguinte oração: «De uns tempos para cá, tornaram-se muito atraentes produtos alimentícios, farmacêuticos, bebidas e cigarros, pela facilidade de distribuição que propiciam.»

O verbo «tornaram-se» não seria um verbo de ligação nesse caso? Acompanhado do predicativo «atraentes»? E se assim for, o pronome se não seria índice de indeterminação do sujeito? Entretanto o verbo está no plural e consigo fazer a transposição para a voz passiva analítica¹ e voz ativa²:

¹«Produtos (...) foram tornados muito atraentes pela facilidade de distribuição»

²«A facilidade de distribuição tornou os produtos (...) muito atraentes.»

O verbo tornar-se, por ser pronominal, faria parte de alguma exceção»?

Obrigada!

Resposta:

Na oração apresentada – «De uns tempos para cá, tornaram-se muito atraentes produtos alimentícios, farmacêuticos, bebidas e cigarros, pela facilidade de distribuição que propiciam» –, se não marca o índice de intermediação do sujeito, porque não é um pronome reflexo, mas sim um pronome inerente, ou seja, faz parte da forma verbal, no caso, tornar-se.

Como sugere a consulente, o  verbo pertence, pois, à subclasse dos verbos de ligação ou copulativos, que são verbos que ocorrem «numa frase em que existe um constituinte com a função sintática de sujeito e outro com a função  sintática de predicativo do sujeito» (Dicionário Terminológico), função desempenhada por «atraentes» numa das frases apresentadas na pergunta: «... tornaram-se muito atraentes produtos alimentícios, farmacêuticos, bebidas e cigarros...» (na ordem direta: «produtos alimentícios, farmacêuticos, bebidas e cigarros