Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Deparei-me com a necessidade de escrever um termo que defina a ação com a qual se pretende «aumentar a literacia» sobre um determinado assunto. "Literacização" foi o que me ocorreu («um esforço de literacização sobre o assunto x»), mas não o fiz por não estar dicionarizado.

Os estimados consultores têm alguma sugestão? Fica à atenção de futuros dicionários!

Desde já os meus agradecimentos.

Resposta:

Comecemos por afirmar que o substantivo literacização está bem formado, apesar de não se verificar o seu uso nem o mesmo estar atestado em nenhum dicionário. A sua formação terá  origem num verbo, também ele não atestado – literacizar1 –  derivado por sufixação - literaci(a) + izar. Posto isto, e pelos motivos apresentados, cabe dizer que talvez cause estranheza o uso do substantivo em apreço; no entanto, o seu uso em textos especializados, acompanhado de esclarecimento acerca do mesmo, pode ocorrer. 

 

1 Os verbos em -izar normalmente advêm de adjetivos e não de nomes, como literacia. No entanto, há registos de verbos semelhantes que têm origem em nomes próprios – Portugal > portugalizar –, e comuns – memóri(a) > memorizar.

Formas de tratamento em contexto académico
As abreviaturas utilizadas

Na sequência do arranque de mais um ano letivo em Portugal, falamos sobre as abreviaturas adequadas às formas de tratamento no âmbito educativo. 

Pergunta:

Atualmente, utiliza-se frequentemente a palavra racional no mesmo sentido que se atribui em inglês a rationale. Ou seja, como um conjunto de razões ou argumentos que constituem a base lógica de uma ação ou convicção (exemplo: «não entendo o racional da tua decisão»).

No entanto, esta utilização de racional como nome (e não como adjetivo) não parece ser legitimada por nenhum dicionário. Com efeito, racional, como nome, apenas se encontra dicionarizado no sentido de «ser pensante».

Podemos admitir a utilização de racional daquela forma, ou trata-se de uma importação abusiva do Inglês?

Resposta:

Efetivamente muitos sítios na Internet atestam o uso de racional com o sentido que é dado ao anglicismo rationale. 

No entanto, os nossos dicionários atestam  racional como adjetivo, relativo a alguém «que possuí a faculdade de raciocinar, que faz uso da razão; que se baseia na razão e na lógica; conforme à razão, razoável; que revela bom senso» (Infopédia). Além disso, este vocábulo é classificado como substantivo quando ocorre na aceção de «ser pensante» (Ibidem)1.

Ora, o substantivo inglês é empregado não só nestas aceções, mas também com o significado de «fundamento» ou «base lógica». Assim, a frase «não entendo o racional da tua decisão» ilustra um uso insólito de racional, que configura um estrangeirismo semântico por simples transposição do termo inglês rationale, numa tradução literal que não se recomenda.

Vale este uso anglicizado de racional para lembrar que muitas vezes há traduções, mesmo erradas, que acabam por se fixar na língua. Ainda assim, em português, o uso genuíno continua a ser o de utilizar fundamento ou «(base) lógica», de modo a dizer ou escrever corretamente «não entendo o fundamento da tua decisão» ou «não entendo a lógica da tua decisão».

 

1 Ver também o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o 

Pergunta:

Pesquisei nos meus livros e não encontrei a diferença entre monção e moção.

Resposta:

Os substantivos monção moção são parónimos, ou seja, têm significados diferentes, mas pronúncias e grafias aproximadas que podem levar à confusão. 

Vejam-se os significados, segundo o Dicionário Houaiss:

1. Monção, substantivo feminino, está associado à meteorologia e significa «vento periódico de ciclo anual, que sopra principalmente no Sudeste da Ásia, alternativamente do mar para a terra e da terra para o mar, durante muitos meses»1. É também definido como «tempo ou quadra do ano favorável à navegação» ou «ocasião favorável, oportunidade, ensejo» num sentido figurado. No Brasil este substantivo é também um regionalismo que significa «qualquer das expedições que, descendo e subindo os rios das capitanias de São Paulo e Mato Grosso, nos séculos XVIII e XIX, mantinham as comunicações entre os vários pontos dessas capitanias». 

2. Moção, também ele substantivo feminino, significa «ação ou resultado de mover(-se); movimento, deslocamento; impulso que causa o movimento; choque, comoção, abalo; proposição feita por algum participante numa assembleia, para que seja avaliada e votada, que pode ser relativa a qualquer incidente que surja nessa assembleia ou fora dela; proposta». 

Pergunta:

"Rocha-mãe" ou "rocha mãe"?

"Raposa do deserto" ou "raposa-do-deserto"? "Papagaio verde" ou "papagaio-verde"?

Com ou sem hífen?

Resposta:

Os compostos raposa-do-deserto e papagaio-verde são hifenizados por designarem uma espécie zoológica (Base XV do Acordo Ortográfico em vigor).

Em relação ao composto rocha-mãe, a hifenização pode ser considerada útil e correta por estarmos perante um substantivo com função de adjetivo que constitui uma unidade semântica própria. No entanto, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, apresenta exemplos em que temos o substantivo mãe a desempenhar a função de adjetivo num composto não hifenizado  casa mãe e língua mãe. Posto isto, podemos afirmar que estamos perante um caso sobre o qual não parece haver consenso, o que nos dá espaço para escolhermos o uso, ou não, do hífen em composto com mãe, como rocha-mãe