Sara de Almeida Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara de Almeida Leite
Sara de Almeida Leite
24K

Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Eu gostava de saber qual a diferença entre regulamento e norma, isto é, se existir. Ou têm ambas o mesmo significado?

Resposta:

Regulamento e norma podem ser empregados como sinónimos, como nos informa, por exemplo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, no sentido em que ambos os termos podem designar uma «instrução que prescreve o que deve ser feito.»

 

Contudo, se entendermos o regulamento como o «acto ou efeito de regular, de estabelecer regras», então este pode englobar um conjunto de disposições, adquirindo, portanto, um carácter mais geral, de conjunto, cujas partes serão as normas propriamente ditas, enquanto cada uma dessas prescrições.

Pergunta:

Twitter e facebook.

Ainda não consegui compreender bem o significado das palavras acima referidas. Poderão esclarecer-me?

Muito obrigada.

Resposta:

O termo facebook designa uma publicação editada por uma instituição, como uma empresa ou uma escola, cujo objectivo é apresentar uma lista dos seus membros em que figura a fotografia de cada um, de modo que estes possam ser facilmente identificados. Em formato digital, um facebook pode ser uma espécie de base de dados com os perfis de membros ou utilizadores, que apresenta as suas fotografias e os seus dados pessoais.

Quanto a twitter, a palavra tem diversos significados distintos em inglês, dependendo do contexto: tanto pode significar «chilrear» ou o «chilreio de um pássaro», como «excitação», «alvoroço», ou ainda «tagarelar» e «tagarelice». No entanto, e considerando a provável relação com o facebook, twitter designa, mais recentemente, uma rede virtual que permite aos utilizadores actualizarem os seus perfis por meio de mensagens curtas por diversas vias, incluindo as mensagens electrónicas e os telemóveis.

Na Wikipédia e noutros endereços na Internet, a consulente encontrará mais pormenores e ligações úteis a este respeito.

N.E. – Outros pormenores aqui e

Pergunta:

Gostaria, se possível fosse, de tirar uma dúvida sobre aportuguesamento de palavras anglo-saxônicas.

Estava escrevendo um texto em site de relacionamento pessoal e fui criticado por utilizar a palavra "góspeis" ao invés de gospel. No meu texto continha: «... as cantoras góspeis...»

A crítica dizia que eu não poderia utilizar a palavra no plural porque não era uma palavra portuguesa, porém inglesa. E, no inglês, os adjetivos não vão para o plural. Ficaria assim: «... the gospel singers...»

Fiz uma argumentação defendendo que havia utilizado a palavra aportuguesada. Daí, o meu crítico interlocutor disse que a palavra ainda não havia sido aportuguesada. Ao que repliquei-lhe que havia palavras que ainda não constavam nos dicionários, mas que podiam ser aportuguesadas. E que, como não havia achado uma palavra em português equivalente e propícia ao contexto do meu texto, havia recorrido ao aportuguesamento. Visto que a palavra evangélica — equivalente comum da palavra gospel — não me servia porque estava, na verdade, criticando as cantoras "góspeis". O "góspeis" seria, então, em tom de ironia. De fato, eu não considero tais cantoras como evangélicas.

Afinal de contas, quem está com a razão?

Aguardo a resposta.

Resposta:

O consulente tem razão quando alega que nem todas as palavras que utilizamos (sejam aportuguesamentos de termos estrangeiros ou neologismos) constam dos dicionários, pois estes, por razões óbvias, estão sempre um pouco atrasados em relação ao uso dos falantes.

Acontece, porém, que a palavra inglesa gospel já foi aportuguesada e consta, na base de dados morfológica do ILTEC (de Portugal) com o singular gospel (sem acento gráfico) e o plural gospéis (com acento agudo no e).

Esta foi a única base de dados que encontrei com referência à flexão do adjectivo em número.

Ora, sendo assim, parece que o único "erro" do consulente foi ter colocado o acento agudo sobre o o de "góspeis". Contudo, parece-me lógico pronunciar a palavra com a tónica na primeira sílaba, em conformidade com a pronúncia do adjectivo inglês gospel. É mais natural, tanto para um português como para um brasileiro, no meu entender, dizer "góspeis" do que "gospéis". Isto pressuporia, então, o singular "góspel", que, embora não esteja atestado, é mais fiel à posição do acento em inglês e está de acordo com as nossas regras de acentuação gráfica, que obrigam a colocar acento agudo ou circunflexo nas palavras graves terminadas em -l (como móvel, móbil e cônsul).

Pergunta:

Gostaria de saber se o termo "vintage" aplicado a certas gamas de produtos como, por exemplo, o vinho do Porto, deverá ser pronunciado em francês ou em inglês. Haverá alternativa em português?

Resposta:

O nome vintage é um empréstimo do inglês, não havendo razão para pronunciá-lo em francês.

Quanto a alternativas, penso que seria forçado e desnecessário procurá-las, não só porque seria praticamente impossível encontrar uma só palavra que pudesse ter o mesmo sentido em português («ano de colheita de um vinho; vinho de excelente qualidade, que provém de uma só colheita», segundo o Dicionário de Língua Portuguesa da Infopédia), mas também porque vintage já consta dos nossos dicionários e é um termo amplamente utilizado no âmbito da enologia.

 

N. E. – O anglicismo vintage pronuncia-se aproximadamente como "víntidje" (transcrição fonética [ˈvɪntɪdʒ]). Ouvir também aqui. Quanto à sua pronúncia, como estrangeirismo entrado já há muito na lingua portuguesa, e com posições distintas, cf.  A pronúncia e o uso de vintage + Sobre a pronúncia do vocábulo vintage.

Pergunta:

Com a polémica instalada no que respeita ao novo acordo ortográfico e como tradutora de inglês para português europeu, gostava de saber como é que este novo acordo poderá alterar a vida dos tradutores em Portugal.

Já se viu que vamos todos (na CPLP) escrever da mesma forma em termos ortográficos, mas as diferenças linguísticas entre os vários países da CPLP não são só ortográficas. O léxico é diferente e a construção das frases também. Parece que tudo isso está a ser esquecido, porque a ortografia comum não muda assim tanto a forma como nos expressamos.

A minha questão, portanto, prende-se com o não saber se o nosso mercado vai extinguir-se, com a possibilidade de termos colegas brasileiros a traduzir para toda a CPLP. Será que a nossa especificidade linguística vai desaparecer por sermos só 10 milhões de falantes? Será que os nossos clientes vão dar a traduzir todo o material no Brasil por ser notoriamente mais barato? E será que o léxico (técnico e não só) brasileiro vai acabar por extinguir o nosso?

Ou seja, será que quando uma agência internacional tiver de traduzir texto para português, não vai ter de especificar a que país da CPLP se destina? Afinal, se o acordo é ortográfico, nós continuaremos a dizer autocarro em vez de ônibus, isto para dar só um exemplo. Ou será que isso também vai mudar?

Sei que esta questão pode não parecer ter importância, mas, para quem passa o dia a traduzir, garanto que é uma preocupação enorme.

Obrigada.

Resposta:

 

Partilho inteiramente da sua preocupação e concordo com as suas questões, que são também as minhas, mas, infelizmente, não posso dar-lhe uma resposta concreta às perguntas que nos envia. 

Para além das diferenças gritantes no léxico (aluguer/locação, comboio/trem, penso-rápido/Band-Aid, fita-cola/durex, etc.), na morfologia (aceite/aceito, ter pegado/pego, mais pequeno/menor) e na sintaxe («ela foi à praia»/«ela foi na praia», «há gente aqui»/«tem gente aqui», «liga-me»/«me liga»...), existem ainda as tão criticadas “facultatividades” (Amazónia/Amazônia, António/Antônio) e todas as palavras que apresentam ligeiras diferenças entre as variantes de Portugal e Brasil, como registar/registrar, aluguer/aluguel e quotidiano/cotidiano, dobrado/dublado, sem falar na “armadilha” escondida ...