Sara Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Leite
Sara Leite
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se o termo "vintage" aplicado a certas gamas de produtos como, por exemplo, o vinho do Porto, deverá ser pronunciado em francês ou em inglês. Haverá alternativa em português?

Resposta:

O nome vintage é um empréstimo do inglês, não havendo razão para pronunciá-lo em francês.

Quanto a alternativas, penso que seria forçado e desnecessário procurá-las, não só porque seria praticamente impossível encontrar uma só palavra que pudesse ter o mesmo sentido em português («ano de colheita de um vinho; vinho de excelente qualidade, que provém de uma só colheita», segundo o Dicionário de Língua Portuguesa da Infopédia), mas também porque vintage já consta dos nossos dicionários e é um termo amplamente utilizado no âmbito da enologia.

 

N. E. – O anglicismo vintage pronuncia-se aproximadamente como "víntidje" (transcrição fonética [ˈvɪntɪdʒ]). Ouvir também aqui. Quanto à sua pronúncia, como estrangeirismo entrado já há muito na lingua portuguesa, e com posições distintas, cf.  A pronúncia e o uso de vintage + Sobre a pronúncia do vocábulo vintage.

Pergunta:

Com a polémica instalada no que respeita ao novo acordo ortográfico e como tradutora de inglês para português europeu, gostava de saber como é que este novo acordo poderá alterar a vida dos tradutores em Portugal.

Já se viu que vamos todos (na CPLP) escrever da mesma forma em termos ortográficos, mas as diferenças linguísticas entre os vários países da CPLP não são só ortográficas. O léxico é diferente e a construção das frases também. Parece que tudo isso está a ser esquecido, porque a ortografia comum não muda assim tanto a forma como nos expressamos.

A minha questão, portanto, prende-se com o não saber se o nosso mercado vai extinguir-se, com a possibilidade de termos colegas brasileiros a traduzir para toda a CPLP. Será que a nossa especificidade linguística vai desaparecer por sermos só 10 milhões de falantes? Será que os nossos clientes vão dar a traduzir todo o material no Brasil por ser notoriamente mais barato? E será que o léxico (técnico e não só) brasileiro vai acabar por extinguir o nosso?

Ou seja, será que quando uma agência internacional tiver de traduzir texto para português, não vai ter de especificar a que país da CPLP se destina? Afinal, se o acordo é ortográfico, nós continuaremos a dizer autocarro em vez de ônibus, isto para dar só um exemplo. Ou será que isso também vai mudar?

Sei que esta questão pode não parecer ter importância, mas, para quem passa o dia a traduzir, garanto que é uma preocupação enorme.

Obrigada.

Resposta:

Partilho inteiramente da sua preocupação e concordo com as suas questões, que são também as minhas, mas, infelizmente, não posso dar-lhe uma resposta concreta às perguntas que nos envia. 

Para além das diferenças gritantes no léxico (aluguer/locação, comboio/trem, penso-rápido/Band-Aid, fita-cola/durex, etc.), na morfologia (aceite/aceito, ter pegado/pego, mais pequeno/menor) e na sintaxe («ela foi à praia»/«ela foi na praia», «há gente aqui»/«tem gente aqui», «liga-me»/«me liga»...), existem ainda as tão criticadas “facultatividades” (Amazónia/Amazônia, António/Antônio) e todas as palavras que apresentam ligeiras diferenças entre as variantes de Portugal e Brasil, como registar/registrar, aluguer/aluguel e quotidiano/cotidiano, dobrado/dublado, sem falar na “armadilha” escondida em mui...

Pergunta:

Há pouco, passei por uma ambulância que, entre outras inscrições normais, e que já nos habituámos a ver, ostentava a palavra "medicalizável". Julgo não ser difícil de concluir que se trata de uma palavra relacionada com actos médicos; no entanto, gostaria de saber qual o significado exato da palavra.

Trata-se de um neologismo?

Resposta:

A palavra "medicalizável" será formada por sufixação (“medicalizar” + vel) e o seu sentido deveria, à partida, ser «que se pode medicalizar», à semelhança do que acontece com contável («que se pode contar») e utilizável («que se pode utilizar»).

No entanto, para transmitir esse significado temos o adjectivo medicável, que significa «1 possível de ser medicado 2 que se pode tratar por meio de medicamento(s); curável», segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

O que acontece é que o neologismo "medicalizável" tem sido usado para veicular um significado diferente (daí ter-se sentido a necessidade de usar outro adjectivo, que não medicável): «que se pode equipar de médicos». Vê-lo consagrado nos dicionários será apenas uma questão de tempo, se o uso se mantiver.

Pergunta:

Qual seria a tradução mais correcta para a forma inglesa «the restaurant and bar is open...» e outras similares, como «bar-coffee shop» ou «lounge bar», por exemplo. Como ficaria melhor, «o restaurante e bar está aberto», «o restaurante-bar está aberto» ou «o restaurante e bar estão abertos»?

Antecipadamente grata pela vossa resposta.

Resposta:

Tudo depende dos locais em questão. Se os nomes restaurant e bar apresentam entre eles a conjunção and (e), podem ser espaços independentes, pelo que poderia ser mais correcto conjugar o verbo no plural, mesmo na frase em inglês: «the restaurant and bar are open», ou seja, «o restaurante e o bar estão abertos».

Se restaurante e bar constituem um espaço único, então consideraria duas hipóteses: usar o composto restaurante-bar, comum no uso, mas inexistente nos dicionários, ou usar uma barra entre os nomes: «o restaurante/bar está aberto». A opção «o restaurante e bar está aberto», apesar de ser mais fiel ao original, parece-me pouco correta, uma vez que o sujeito composto (nomes intercalados pela conjunção e) exigiria que o verbo estivesse conjugado no plural. Nesse caso, porém, faria falta o segundo determinante: «o restaurante e o bar estão abertos» (em vez de «o restaurante e bar estão abertos»). Esta opção, todavia, leva a crer que restaurante e bar são espaços independentes.

A respeito das outras formas inglesas mencionadas:

Lounge Bar: Bar/sala de estar

Bar-coffee-shop: Café/Bar ou Bar/Cafetaria, ou ainda Cafetaria/Bar

Pergunta:

Fiquei confusa com uma explicação que Sara Leite deu no dia 8 de Fevereiro de 2008 relativamente à indeterminação do sujeito e ao facto de se poder usar pronomes indefinidos para indeterminar o sujeito. Eu sempre pensei que os pronomes indefinidos, semanticamente, remetiam para um sujeito sem determinação definida, mas que, sintacticamente, desempenhavam a função de sujeito simples. Não sei se isto consiste em alguma alteração trazida pela TLEBS. Agradeço desde já a disponibilidade (que sempre demonstram) para esclarecer esta minha dúvida.

Resposta:

A resposta que dei sobre a indeterminação do sujeito não tem qualquer relação com as alterações introduzidas pela TLEBS.

Percebo que a consulente tenha estranhado o facto de eu sustentar que, na frase «Alguém chegou às seguintes conclusões», o pronome indefinido exprime a indeterminação do sujeito. De facto, em termos puramente gramaticais, ou estruturais, o pronome indefinido representa o sujeito. Mas em termos puramente semânticos, pensando apenas no sentido que se está ali a veicular, podemos dizer que “alguém” representa um sujeito indeterminado na medida em que esse pronome indefinido tem o mesmo significado que a partícula “se”, quando esta serve para representar a indeterminação do sujeito. Neste caso, tem-se conta o significado da palavra alguém: «uma pessoa ou alguma pessoa cuja identidade não é especificada ou definida» — nos termos do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.