Rúben Correia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rúben Correia
Rúben Correia
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Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa - Português Língua Estrangeira/Língua Segunda na referida. Prepara atualmente um doutoramento na mesma área.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra saciante existe?

Resposta:

A forma saciante respeita as regras morfológicas de formação de novas palavras da língua portuguesa, daí que a possamos considerar válida, pese embora não estar registada nos dicionários*, nem se encontrar amplamente em uso em detrimento de outras palavras ou expressões. Além disso, é possível depreender o sentido da palavra saciante – «algo que sacia a fome». A palavra em apreço deriva do verbo saciar, juntando-se ao tema verbal, sacia-, o sufixo adjetival -nte. Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 101) afirmam que este sufixo veicula a ideia de «ação, qualidade ou estado» (cf. também entrada do sufixo -nte no Dicionário Houaiss).

* Acerca das razões por que muitas palavras não figuram nos dicionários, consultar esta resposta.

Pergunta:

Poderia ser informado sobre o significado da expressão «correr de feição»?

Resposta:

A expressão «correr de feição», de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, significa «de modo favorável, adequadamente». A título de exemplo, «o jogo correu de feição à equipa da casa», ou seja, a equipa da casa obteve um resultado favorável.

Registe-se ainda que o substantivo feição, do latim factio, -onis («maneira de fazer»), é usado em diversas expressões e locuções prepositivas e adverbiais, tais como:

«À feição de» – ao gosto ou à maneira de.

«Em feição de» – em posição ou em jeito de.

«Por feição que» – de modo ou de maneira.

«Estar o vento de feição»/«soprar o vento de feição» – estarem reunidas as condições propícias para a realização de algo.

Pergunta:

Qual a origem e o significado de «generalidades e culatras»?

Obrigada!

Resposta:

A expressão «generalidades e culatras» parece ter proveniência castrense (relativa à vida militar)*. Não foi possível, contudo, averiguar a origem exata da expressão. No entanto, a expressão é usada frequentemente fora do seu contexto de origem, a gíria militar, com o sentido de «assuntos vários» ou «assuntos de pouca importância».

* Informa-nos um consulente, J. Perestrello, capitão-de-fragata residente no Brasil, que, nas suas pesquisas acerca da origem da expressão «generalidades e culatras», encontrou, na Universidade de Coimbra, uma referência à expressa numa monografia, de 1926, intitulada Gíria da malta; gíria da caserna; gíria do colégio militar, da autoria de Afonso de Vasconcelos e J. Leite de Paços. O nosso agradecimento pela informação disponibilizada.

Pergunta:

«(...) e a professora começou a olhar-me para os dentes, como a um muar na feira, e a dar-me ordens, naquele espanhol do catorze que ela está convencida que é português»
(Urbano Tavares Rodrrigues, Imitação da Felicidade, Livraria Bertrand, 2ª. edição, p. 21).

No contexto da frase, «do catorze» significará «mau espanhol», «incompreensível», «espanhol de um raio», «algaraviada»?

Muito obrigado.

Resposta:

Não obstante a expressão «do catorze» não se encontrar registada em fontes da especialidade que tive oportunidade de consultar (dicionários e compêndios de expressões populares, entre outros), posso - por razões familiares - afirmar que de facto se trata de uma forma usada, pelo menos - estou em crer e, uma vez mais, baseando-me em experiência pessoal - por uma camada da população mais envelhecida, na região do Alentejo, onde, de resto, o escritor Urbano Tavares Rodrigues passou parte da sua vida, facto que, ao nível da linguagem, poderá ter sido explorado literariamente nas suas obras. «Do catorze», tal como o consulente indica, é uma forma mais polida de expressar surpresa/indignação, da sorte de expressões como “do caneco” ou “do camandro” e afins, regionalismos portugueses frequentes no discurso coloquial. Na rede, encontramos alguns (poucos) usos da expressão «do catorze», creio, com o mesmo sentido; p.ex.: «E dizias tu que hoje ia ser do caraças para os Escorpião? Das duas uma, ou tenho um ascendente do catorze que me faz ser mais de outro signo do que deste [...].»

Cf. 10 palavras espanholas que enganam os falantes de português

Pergunta:

Gostaria de saber se, numa acta, é correto escrever-se «Aos um dias do mês de outubro».

Obrigada, desde já, pela atenção.

Resposta:

Nas fontes consultadas – entre as quais o Elucidário de como Elaborar Documentos de Interesse Geral, de Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo –, não encontramos qualquer referência à fórmula a seguir para o primeiro dia do mês, sendo que os exemplos apresentados correspondem sempre a dias que não o primeiro. No entanto, tendo por base exemplos de documentos oficiais encontrados na rede, podem usar-se estruturas tais como «no primeiro dia do mês de outubro» ou «no dia um de outubro».