Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Certa vez li um artigo cujo autor expressou a opinião de que o pronome relativo cujo está na realidade com os dias contados, ou seja, previu-se a sua extinção para dentro em breve. De fato, pelo menos aqui no Brasil, quase ninguém o emprega na linguagem falada e, quando se usa na escrita, muitas vezes esse pronome está fora de propósito (sem função ou com função errada). Vendo o quadro por esse lado, realmente não existem boas perspectivas para a sobrevivência do cujo, o qual tende a sumir-se como tem acontecido à mesóclise. Parece-me que o cujo sofre da «síndrome de Filinto Elísio», que o empregava muito mal. Qual é, portanto, a vossa opinião? Credes também que o cujo não sobreviverá?

Resposta:

Como se pode verificar pela tinta que já fez (e continua a fazer) correr, não só neste como noutros fóruns, o pronome relativo cujo levanta efectivamente alguns problemas e dificuldades ao nível da sua aplicação e enquadramento sintácticos e semânticos, sendo até considerado por João Peres e Telmo Móia uma das áreas críticas da língua portuguesa (Lisboa, Caminho, 1995, pp. 314-315).

Ainda que tal constatação não nos permita, como é evidente, afirmar que o referido pronome se encontra, por assim dizer, em vias de extinção, a verdade é que, de facto, vários estudos portugueses e brasileiros1 apontam para a sua utilização cada vez menos frequente na linguagem falada. Os investigadores do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) Eva Arim, Maria Celeste Ramilo e Tiago Freitas («Estratégias de relativização nos meios de comunicação social portugueses», in Actas do XIX Encontro da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: APL. 2004), por exemplo, sustentando-se no corpus REDIP (que contempla a linguagem produzida na rádio, na televisão e na imprensa, em Portugal, no ano de 1998), concluem que o pronome cujo parece «gerar alguma estranheza quando utilizado» (p. 9). Segundo Eva Arim e outros, o referido termo apresenta apenas, no citado corpus, 18 ocorrências no discurso oral e 38 no discurso escrito (numa proporção, portanto, de 67% para 33%, respectivamente). Segundo Marcos Bagno (Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola Editorial, 2001), citado pelos referidos investigadores, «a tendência para o desaparecimento do pronome cujo 

Pergunta:

A enfermeira do setor pergunta:

— Como se escreve expressão?

Soletrei. Então, ela comenta:

— Não! Expressão de ferida.

— Como assim?

— Quando eu espremo a ferida infectada — ela responde.

— Isso não existe.

Uma médica que estava presente aproveita a ocasião e me dá uma aula:

— Existe, sim! «Expressão de ferida», quando você espreme uma ferida, é muito usual essa colocação.

— Doutora, sinto muito em desapontá-la, mas veja os verbos e substantivos: expressarexpressão, espremerespremedura.

Aí começou um bate-boca danado, e eu desisti. Poderiam me esclarecer?

Resposta:

De facto, por exemplo, os dicionários Priberam da Língua Portuguesa e o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (Círculo de Leitores, Lexicoteca) apontam como um dos significados possíveis do substantivo masculino expressão «acção [ou efeito] de espremer; espremedura»; na mesma linha de raciocínio, os dicionários Houaiss, Aurélio e Koogan/Larousse propõem, para a mesma palavra, a definição «acto de espremer planta, fruta, etc., para retirar o suco; espremedura»; «Acção de espremer». Por outro lado, o vocábulo espremeção é apresentado, por exemplo, no Dicionário Houaiss, como sinónimo de espremedura. Este substantivo feminino encontra-se igualmente registado no Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC, com a seguinte referência – «nome de: espremer».

Deste modo, parece-me aceitável e justificado o uso do referido termo no contexto em análise, «expressão de ferida» (ex.: «Coletar exsudato somente após higiene do leito da lesão e expressão da ferida», sítio oficial da Associação Brasileira de Ortopedia Técnica).

Pergunta:

Diz-se «cometi uma inconfidência». O verbo "inconfidenciar" existe?

Obrigado.

Resposta:

Ainda que o adjectivo inconfidencial seja acolhido, por exemplo, pelo Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, pela Infopédia e pelo Dicionário de Sinónimos e Antónimos do jornal Público (como antónimo de confidencial), o verbo "inconfidenciar" não se encontra efectivamente registado em nenhum dos instrumentos linguísticos consultados.

Sendo assim, e tendo em conta a actual impossibilidade de se poder recorrer (pelo menos de forma, digamos, oficial) ao referido verbo, para além da expressão «cometer uma inconfidência» (já assinalada pelo caro consulente), passo a listar aqui algumas das formulações mais recorrentemente usadas na língua portuguesa para veicular a mesma (ou idêntica) ideia: «deixar escapar/deixar ficar uma inconfidência», «receber uma inconfidência», «fazer uma inconfidência» e «apontar uma inconfidência» (cf. Corpora CETEMPúblico CETENFolha).

Pergunta:

À semelhança das formas masculinas parricida/patricida, também se pode dizer marricida/matricida?

É que li a palavra "marricida" no Sol, numa notícia sobre um homem que matou a própria mãe, mas não a encontro em mais lado nenhum. Nem nos dicionários, nem na Internet...

Muito obrigado.

Resposta:

Na verdade, de acordo com a generalidade dos dicionários de língua portuguesa consultados (ex.: Priberam), a palavra parricida significa «pessoa que mata seu pai ou sua mãe ou outro qualquer dos seus ascendentes».

Valerá ainda a pena dizer que o Dicionário Houaiss especifica que o vocábulo parricida deriva do latim parricīda, ae, que significa justamente «aquele ou aquela que mata um dos pais; assassino de um dos seus parentes próximos» (Dicionário de Latim-Português, Porto Editora).1

Sendo assim, e ainda que o significado de parricida já seja, como se pode verificar, suficientemente abrangente, o termo patricida encontrar-se-á reservado essencialmente para designar a pessoa que mata o próprio pai, e matricida, para aquele ou aquela que mata a própria mãe (fontes: Dicionário Houaiss e Priberam).

Deste modo, e seguindo o fio de raciocínio exposto, não se me afigura necessário nem produtivo criar — pois ele de facto não é acolhido, como bem nota o estimado consulente, por nenhum dos instrumentos de língua portuguesa consultados — o termo "marricida".

1 Sobre o elemento parri-, o Dicionário Houaiss esclarece que é variante de patri-: «16) rad[ical] culto parri- (sXVI), do lat[im]

Pergunta:

Por que malsucedido não é separado por hífen e bem-sucedido sim? Obrigada.

Resposta:

Lindley Cintra e Celso Cunha (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp. 66-67) deixam desde logo bem claro que «o emprego do hífen é simples convenção», especificando, posteriormente, que o referido sinal gráfico é usado, por exemplo, nos compostos com o radical mal- apenas «quando o elemento seguinte começa por vogal ou h: mal-educado, mal-humorado», e que, nos compostos com bem-, o hífen é usado «quando o elemento seguinte tem vida autónoma, ou quando a pronúncia o requer: bem-ditoso, bem-aventurança».

Por outro lado, o Acordo Ortográfico em vigor (Base XV: Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares) complementa e aperfeiçoa esta informação, referindo que se emprega «o hífen nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio bem, ao contrário de mal, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Eis alguns exemplos das várias situações: bem-aventurado, bem-estar, bem-humorado; mal-afortunado, mal-estar...