Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ensino desenho para crianças cegas, por meio de um tipo de «esquema gráfico tátil-visual».

Pergunto:

Como devo escrever "tátil-visual" no plural?

Agradeço imensamente uma resposta.

Resposta:

Táctil-visual não se encontra registado em nenhum dos instrumentos linguísticos (portugueses e brasileiros) consultados.

No entanto, de facto, verifico que, através de uma pesquisa no Google, a referida expressão surge bastas vezes (sobretudo em sítios brasileiros) associada não só à área profissional da consulente como também, por exemplo, à classificação de solos.

Valorize-se ainda o facto de, em muitas das ocorrências observadas, a citada expressão surgir sem hífen.

Maria Helena Mira Mateus e outros (Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 981), ao analisarem os compostos morfossintácticos que envolvem a coordenação de adjectivos (ex.: surdo-mudo = «surdo e mudo»), vertem a seguinte nota: «o comportamento morfológico destas formas não permite identificar nenhum dos seus constituintes como núcleo de toda a estrutura. No que diz respeito à flexão em número, verifica-se que todos os constituintes devem exibir idêntico valor» (ex.: surdos-mudos).

Seguindo esta linha de raciocínio, e tendo em conta que a formulaçã otáctil-visual é, tal como surdo-mudo, um composto morfossintáctico que envolve a coordenação de adjectivos (= táctil e visual), o seu plural deverá ser, do meu ponto de vista, tácteis-visuais.

Não posso, no entanto, terminar esta resposta, sem salie...

Pergunta:

Em anteriores perguntas, o Ciberdúvidas esclarece que, nas palavras fénix e Félix, a letra x é pronunciada como se de um s final se tratasse. Tendo em conta esta resposta, como se deve pronunciar a palavra látex? Em que casos é lícita a pronúncia do x como ks?

Resposta:

De acordo com a generalidade dos instrumentos linguísticos consultados (ex.: dicionários Priberam, Infopédia e Aulete Digital), o x da palavra látex deverá ser pronunciado como [ks]

No que diz respeito à delimitação dos contextos em que a referida pronúncia é aceitável, penso que esta resposta de Carlos Rocha será suficientemente elucidativo, sobretudo a nota de rodapé nele contida.

Pergunta:

Palavra que está na moda, relacionamento homoafetivo. Acho que significa um relacionamento em que existe o mesmo afeto. Assim, um casal de heterossexuais que tem um relacionamento homoafetivo, para mim, significa que ele confere a ela o mesmo afeto que dela recebe. Na minha singela opinião, a palavra correta para o significado que se deseja seria um relacionamento "homosexoafetivo". A minha assertiva é correta?

Resposta:

O dicionário Priberam, por exemplo, regista o adjectivo homoafectivo, assim como o substantivo feminino homoafectividade, referindo-se ambos aos afectos homossexuais. Por outro lado, uma breve pesquisa via Google encaminha-nos imediatamente para milhares de entradas (de sítios sobretudo brasileiros) onde os referidos termos são usados em múltiplos contextos: «união homoafetiva»; «direito homoafetivo»; «o direito dos homoafetivos»; «a homoafetividade e a família»...

Maria Berenice Dias (ex-advogada, desembargadora e escritora brasileira, autora do livro União Homoafetiva O Preconceito e a Justiça, 4.ª ed., 2009, cuja 1.ª ed., de 2001, curiosamente, apresenta o título União Homossexual – O Preconceito e a Justiça ), por exemplo, num artigo intitulado «Politicamente correto», publicado pela primeira vez em 2002, na revista electrónica mensal brasileira Âmbito Jurídico, chega mesmo a afirmar ter sido ela a criar este neologismo, para se referir às relações homossexuais:

No princípio, chamavam-se sodomia as relações de pessoas do mesmo sexo. Seguiu-se a expressão homossexualismo, que foi afastada por significar desvio ou transtorno sexual. O sufixo ismo utilizado para identificar doença foi substituído por dade, que quer dizer um modo de ser. Assim, surgiu a palavra homossexualidade, que, na Classificação Mundial das Doenças — CID, passou a nominar: transtorno da preferência sexual. Jurandir Freire Costa, com inegável autoridade, denuncia a conotação pe...

Pergunta:

Em «Um dia eu vou viver uma vida assim», para mim, o assim é um adjetivo, pois modifica o substantivo vida. Além disso «uma vida assim» é um objeto direto interno, que sempre vem acompanhado de um adjetivo ou locução adjetiva com função de adjunto adnominal, o que reforça ainda mais o fato de que o assim é um adjetivo. Além disso, o antigo gramático José Marques da Cruz considera o assim um adjetivo. Tendo dito tudo isso, espanta-me saber que hoje em dia infelizmente nenhum gramático, tampouco dicionarista, entende que o vocábulo assim pode ser um adjetivo. Afinal, ele é ou não é um adjetivo? Por favor, podem ser objetivos?

Amplexos cordiais!

Resposta:

Vida, em princípio, só há uma. A forma de a viver é que poderá variar de pessoa para pessoa. Sendo assim, somos levados a concluir desde logo que a formulação «Um dia eu vou viver uma vida» será (excluindo contextos eventualmente literários ou metafóricos), por força da semântica, considerada agramatical, pois verifico que «vida» se comporta como nome não-contável (cf. OK «a água está suja» vs. *«uma água está suja»). A expressão mais comummente usada nestes casos será «viver a vida» (com artigo definido, justamente porque vida só há uma), e não tanto «viver uma vida» (com artigo indefinido). De facto, se a formulação sugerida fosse «um dia, eu vou viver a vida», estaria totalmente de acordo com a sua validade, pois nada me choca neste tipo de estruturas, marcadas pelos chamados «argumentos sombra», de acordo com Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, pp.184-185.1 Por outro lado, repare-se que, seguindo o mesmo raciocínio, a frase «*Eu gosto de uma vida» será igualmente agramatical, sendo que «Eu gosto de uma vida assim» já poderá, do meu ponto de vista, ser validada.

Ora, sendo que  o nome vida, como já referi, apresenta propriedades semânticas que o impedem de ter plural ou de ser enquadrável em contextos individualizados de um tipo ou de uma espécie, será, creio eu, o recurso ao constituinte «assim» que permitirá essa operação de individuação (cf. Mateus e outros, op.cit., pp. 236-242). Deste modo, e tendo em conta que o verbo viver é, à partida, intransitivo (cf. Dicionário Houaiss, por exemplo), podendo eventualmente apresentar, em certos contextos, o tal complemento/argumento sombra a que já fiz referência, «assim» poderá, então, ser encarado de vários ângulos, dependendo ...

Pergunta:

Há uma aldeia na serra do Alvão com o nome de Muas. Gostaria de saber qual o significado ou a origem deste nome.

Obrigada.

Resposta:

A generalidade dos instrumentos de língua portuguesa consultados apresenta o nome feminino mua (masculino mu), plural muas (masculino mus), como sin{#ó|ô}nimo de mula(s).

O Dicionário Houaiss complementa esta informação, referindo que o termo em análise deriva do latim mūlus, i, «quadrúpede macho, híbrido de burro com égua», tratando-se da forma popular de mulo [mula], através da forma sincopada muu [muua], e, por crase, mu [mua].

Dito isto, e tendo em conta as características da zona do país de que aqui falamos, penso que este poderá claramente ser um significado a ter em conta para o termo no contexto em análise.